Vamos embarcar numa road trip pelo Douro Vinhateiro. Uma viagem que passa pelas Aldeias Vinhateiras, bem como por algumas vilas e cidades da região. Uma road trip por um território que apela aos sentidos, para se fazer com calma, apreciar os recortes da paisagem, cada pormenor das suas Aldeias Vinhateiras e deixar-se inebriar pelos aromas e pela beleza da paisagem que nos obriga a parar após cada curva da estrada.
Nasci, cresci e vivi parte da minha vida em Lisboa, mas desde muito novo mantenho uma relação afectiva com o Douro, com a região e com o rio. Primeiro, porque um dos lados da minha família é oriunda do Alto Douro e era habitual, enquanto criança, todos os anos passar lá alguns dias; depois, porque é uma das regiões que me fascina desde sempre, talvez inconscientemente, devido à minha infância; e por último, porque desde que vim viver para o norte do país, que vivo perto do rio Douro, não o vejo da janela de casa por causa dos eucaliptos, mas estou bem perto da sua margem.
Esta road trip foi planeada (quase) ao mais ínfimo pormenor como eu gosto de fazer: desenhando o meu próprio mapa com os números das estradas, distâncias, tempos, listando todos os pontos a visitar e pequenos esquemas com o centros das vilas e cidades, obviamente não considerei os tempos de paragem nos (muitos) miradouros e locais com vistas de cortar a respiração. Apesar de à partida considerar que o tempo seria apertado para ver tudo, consegui, com calma, cumprir tudo o que tinha planeado, o que acontece poucas vezes... Eu tenho dois “truques”: o primeiro, é levantar cedo para aproveitar bem as horas de sol; o segundo, é fazer piqueniques em vez de “perder” duas horas num restaurante, principalmente quando considero o dia “apertado” de tempo.
Embora possa ser realizada em qualquer altura do ano dada a monumentalidade e grandiosidade da região, esta road trip sensorial foi realizada no Outono, em plena época de vindima – época alta num território completamente dominado pela vinha e pelo vinho, onde os cinco sentidos têm um papel fundamental para se experienciar em pleno a mais antiga região demarcada do Mundo e Património Mundial da UNESCO.
Esta viagem foi realizada em três dias, tempo que considero ser o mínimo necessário para se conhecer os principais pontos de interesse do Douro Vinhateiro, com a curiosidade e com a calma que uma das mais notáveis paisagens do Mundo merece. Nestes três dias, limitei-me ao “essencial” das duas cidades, já que o principal objectivo desta road trip era percorrer as Aldeias Vinhateiras e desfrutar da magnífica paisagem do Douro. Para a experiência ser completa, recomendo a estadia numa das muitas quintas existentes na região (a oferta é variada e para todos os gostos).
Se puder dispor de quatro dias, sugiro que o primeiro dia seja para conhecer as cidades de Peso da Régua e Lamego, já que há muito para ver e, se tiver oportunidade, não deixe de fazer a viagem de comboio entre a estação da Régua e o Pocinho. Esta viagem inesquecível leva cerca de 90 minutos para cada lado. Pode consultar os horários aqui.
A paisagem do Douro Vinhateiro combina a beleza natural do vale do rio Douro e das suas íngremes encostas com a árdua intervenção humana, que ao longo de gerações, soube adaptar estes declives às suas necessidades agrícolas, moldando a paisagem em socalcos.
Apesar de ser uma região ocupada desde a Pré-História, a fixação das populações dá-se apenas com a ocupação romana onde se introduziram e fomentaram a cultura da oliveira, dos cereais e da vinha. O Douro é, portanto, uma região que produz vinho há mais de 2000 anos, entre os quais o Vinho do Porto que começou a ser produzido e exportado no século XVII – na altura, essencialmente para Inglaterra.
Dia 1
Peso da Régua - Lamego - Ucanha - Salzedas - Armamar - Barcos - Tabuaço
Este primeiro dia parecia muito intenso e um pouco “apertado” de tempo, pelo que me contive bastante nas cidades de Peso da Régua e de Lamego, primeiro porque já as conhecia e, depois, porque tinha mais interesse em apreciar devidamente as Aldeias Vinhateiras e em explorar as belas paisagens durienses.
Uma road trip pelo Douro Vinhateiro e pela sua história deve começar pela cidade de Peso da Régua e pelo Museu do Douro. Foi por aí que comecei.
Peso da Régua
Situada na margem direita do rio Douro, Peso da Régua é uma cidade no distrito de Vila Real e é considerada a capital do Douro Vinhateiro. A Régua deve o seu desenvolvimento ao Marques de Pombal que, em 1756, criou a Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro e que mandou delimitar com marcos de granito (marcos de Feitoria) as áreas de produção dos melhores vinhos. Estava assim criada a primeira região demarcada do mundo. Desde então a Régua passou a ser o centro da região, um entreposto comercial de onde partiam e chegavam os barcos Rabelos que, até meados do século XIX, transportavam o vinho até Vila Nova de Gaia onde envelhecia nas caves.
Situada numa zona de ocupação romana, aqui terá existido um templo cristão, talvez do reinado de Constantino (século III-IV) e que terá sido demolido no século XVIII. A localidade resultou da fusão das povoações de Peso e Régua, também no século XVIII.
Estacionei o carro junto às pontes, mesmo ao lado do rio existe um grande parque de estacionamento gratuito. Não vamos conhecer a cidade, pois não é esse o motivo deste roteiro (isso ficará para outra altura), iniciamos aqui esta road trip para ter o primeiro contacto com o rio Douro e conhecer a história da região. Vamos percorrer a magnífica marginal da Régua com vistas maravilhosas sobre o rio e conhecer o Museu do Douro.
O Museu está instalado num dos edifícios mais emblemáticos da história da Região Demarcada do Douro, a Casa da Companhia, um edifício do século XVIII que, durante séculos, foi o centro regulador de toda a actividade comercial e agrícola da região. O Museu do Douro é um espaço colectivo de memória e identidade da região vinhateira, representando o património natural e cultural da região.
O espaço foi inaugurado em 2008 e para além de exposições temporárias, conta com a exposição permanente “Douro: Matéria e Espírito”. O Museu engloba ainda uma loja, ateliers, uma sala de provas, wine bar e restaurante. Da sua enorme varanda podemos observar o rio e as vinhas em socalcos na outra margem, mas são horas de descer à marginal da Régua e começar a “sentir” o rio e a paisagem numa breve caminhada até às pontes. Se passar pela estação de caminho de ferro não deixe de procurar pelos famosos Rebuçados da Régua.
Mais à frente, encontramos a Ponte Metálica, construída no século XIX, sob orientação de um engenheiro alemão que fazia parte da equipa de Gustave Eiffel. A ponte assenta em quatro pilares de cantaria de granito, tem 318 metros de comprimento e três de largura. A ponte foi mandada construir por D. Luís I, em 1872, para atravessamento rodoviário e assim substituir as chamadas barcas, embarcações que faziam o transporte de pessoas e mercadorias. A ponte viria a ser desactivada em 1849 e reaberta, já em 2012, para travessia pedonal e de bicicletas, sendo actualmente um dos ex-libris da cidade.
A cerca de 50 metros da ponte metálica, encontra-se a Ponte Rodoviária da Régua que integra o traçado da EN2. Uma bonita construção em alvenaria, da autoria do engenheiro Avelar Ruas. A ponte foi iniciada em 1932 e dada como concluída dois anos depois. Inicialmente foi construída como ponte ferroviária que integraria a Linha de Lamego, projecto que nunca foi concluído e, em 1947, a ponte foi adaptada para uso rodoviário.
A Linha de Lamego pretendia ligar a cidade de Peso da Régua a Viseu, via Lamego, por via estreita. Por diversos motivos o projecto nunca foi acabado, tendo sido aberto um canal entre as cidades da Régua e Lamego nas décadas de 1920 e 1930. Neste troço foram construídas duas pontes, uma sobre o Douro, na cidade da Régua, e outra sobre o rio Varosa (junto à central hidroeléctrica). O canal ferroviário nunca chegou a ter carril e o projecto seria abandonado na década de 1930 devido à Segunda Guerra Mundial. Alguns destes vestígios ainda existem, tendo parte do percurso sido transformado em arruamentos.
Depois de uma pequeno passeio pela marginal da Régua, junto ao Douro, há que seguir viagem Estrada Nacional 2 abaixo. São cerca de 13 quilómetros até chegarmos a Lamego. Vamos fazer uma pausa rápida em Lamego para conhecer o seu monumental centro histórico.
Conheço relativamente bem o centro de Lamego, passei lá muitas temporadas quando mais novo, pois um lado da minha família é oriunda da cidade. Como aparte a esta road trip, embora a bonita cidade possa ser visitada em qualquer altura, recomendo a época das festas a Nossa Senhora dos Remédios (8 de Setembro), uma das maiores e mais emblemáticas romarias do nosso país.
Lamego
Lamego é conhecida pelo Santuário de Nossa Senhora dos Remédios e pelo sua longo escadório, a imagem de marca da cidade. Mas há muito que visitar em Lamego, no entanto, fiquei-me pelo seu centro histórico.
A cidade conheceu, durante o século XIII, um tempo de grande prosperidade quando aqui se produzia o “vinho fino” – nome ainda hoje dado ao Vinho do Porto em algumas regiões do país –, que esteve na origem do Vinho do Porto.
Lamego é uma das cidades mais antigas da Península Ibérica e terá sido fundada pelos Celtas, pois já era uma povoação importante no século IV a.C. Foi ocupada por Suevos, Lusitanos, Romanos, Visigodos e Árabes. Foi um território duramente disputado ao longo de séculos, até que em 1057, Fernando Magno de Leão (bisavô de D. Afonso Henriques) a reconquistou definitivamente. Foi aqui que terão decorrido as “Cortes de Lamego”, onde terá sido feita a aclamação de D. Afonso Henriques como Rei de Portugal. D. Sancho I concedeu carta de couto em 1191 e, em 1290, D. Dinis deu carta de feira à cidade chegando a vir até Lamego mercadores de Castela e de Granada comercializar especiarias e tecidos orientais. Em 1514, D. Manuel outorga-lhe foral novo. Nos séculos XVII e XVIII começam a ser construídos em Lamego os solares, a que não é certamente alheio o comércio do vinho generoso do Douro e a protecção que lhe foi dada pelo Marquês de Pombal com a criação da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro e da Região Demarcada do Douro.
Para além da produção do Vinho do Porto, Lamego regista igualmente uma clara aposta nos vinhos de mesa e na produção espumantes (Caves Raposeira). Lamego também é conhecida pela sua gastronomia, na qual se destacam os seus presuntos, o cabrito assado com arroz de forno e a Bola de Lamego.
A cidade ostenta uma numerosa quantidade de espaços religiosos, pelo que me cingi a alguns dos mais importantes. Numa breve visita à cidade de Lamego e ao seu centro histórico, há que começar pelo largo da Sé. Assim, bem pertinho uns dos outros, temos o Museu de Lamego, fundado em 1917, instalado no antigo edifício do Paço Episcopal, um edifício do século XVIII. O Museu possui colecções de pintura, tapeçaria, mobiliário, ourivesaria, paramentaria, meios de transporte, arqueologia, cerâmica, gravura, desenho e fotografia. As suas peças de maior relevância são as majestosas capelas revestidas em talha dourada que foram transladadas para ali a partir do antigo Convento das Chagas; os painéis que Grão Vasco pintou para a catedral de Lamego; painéis de azulejos do séc. XVII; e uma arca tumular medieval, algumas destas peças classificadas como Tesouro Nacional. Este é um dos mais impressionantes museus nacionais.
A dois passos fica a imponente Sé Catedral de Lamego que começou a ser construída em meados do século XII, por ordem de D. Afonso Henriques, sobre uma antiga capela dedicada a São Sebastião. O templo foi alvo de sucessivas reconstruções e nos inícios do século XVI, o monumento foi objecto de uma importante reforma na sua fachada principal com a inclusão de elementos escultóricos de grande impacto visual. Do seu interior destaco os altares em talha dourada e as bonitas pinturas coloridas do tecto. Ali ao lado, do outro lado da estrada nacional 2, num bonito edifício barroco do século XVIII, temos o Teatro Ribeiro Conceição. O edifício começou por ser um hospital, tendo sido depois ocupado por uma unidade militar no século XIX, até ter sido destruído por um incêndio. Em 1924 é adquirido por José Ribeiro Conceição para o transformar em teatro e cinema e, em 1929, é inaugurado o teatro, mantendo a sua actividade cultural até 1987, ano em que se apresentava já em avançado estado de degradação. Foi então adquirido pela Câmara Municipal que recuperou o espaço, e o Teatro voltou a funcionar em 2008.
Depois há que passar a Porta do Sol e atravessar o que resta da antiga zona medieval da cidade, no interior da muralha, com as suas ruas estreitas e subir até ao Castelo, com uma breve passagem pela Cisterna, actualmente transformada num espaço expositivo sobre o passado e a memória da cidade. A Cisterna de Lamego, um amplo reservatório de estrutura abobadada, é considerada uma das mais notáveis cisternas urbanas do período medieval (séculos XIII-XIV).
O Castelo de Lamego situa-se no ponto mais alto do casario, a 543 metros de altitude. Erguido no século XII, no local onde se crê que existisse um castro, ainda podemos observar as suas muralhas e subir à torre de menagem de onde se tem uma panorâmica sobre toda a cidade.
Saí das muralhas do castelo pela Porta dos Figos e fui visitar a Igreja de Santa Maria de Almacave, um bonito templo de fundação românica (século XII), muito adulterada nos períodos subsequentes.
Porta do Sol, Castelo de Lamego e Porta dos Figos
Depois segui até ao jardim da República, em frente à Câmara Municipal, para visitar a Igreja do Mosteiro das Chagas, um templo do século XVI. Aqui funcionou um mosteiro de freiras clarissas até 1834, altura da extinção das ordens religiosas. O interior da igreja é revestido a azulejos tendo no seu tecto uma falsa abóbada pintada. A sacristia apresenta um tecto de madeira policromada com caixotões com imagens de santos. Na sua fachada, destaque para um cruzeiro e um calvário.
A seguir percorri as ruas da cidade até chegar novamente à grande alameda com o espectacular santuário de Nossa Senhora dos Remédios a erguer-se majestoso no alto da sua escadaria. Procure pela casa das Bolas de Lamego e delicie-se com uma das iguarias típicas da cidade.
Se não quiser subir (e depois descer) a escadaria do santuário, meta-se no carro e vá lá cima., vale a pena visitar o riquíssimo santuário e desfrutar da maravilhosa vista sobre a cidade.
Edificada no cimo do Monte de Santo Estevão, o Santuário de Nossa Senhora dos Remédios é, a par do Bom Jesus de Braga, uma das igrejas barrocas de peregrinação mais significativas do país. A igreja foi começada a construir em 1750, estando as obras concluídas cerca de onze anos depois. As torres da igreja, embora perfeitamente enquadradas no edifício, só foram construídas no século XIX. Crê-se que em tempos medievais existia no mesmo local uma pequena ermida (do século XVI) dedicada a Santo Estevão. No interior do templo destaque para os azulejos (já do século XX) representando cenas da vida da Virgem e para o retábulo-mor em talha dourada em estilo rococó, do século XVIII. A escadaria monumental foi construída a partir de 1777. O escadório com 686 degraus é composto por vários lanços e patamares, com fontes e esculturas variadas, entre os quais se destaca o Pátio dos Reis, com um chafariz da autoria de Nicolau Nasoni. Nos planos originais estavam incluídas várias capelas ao longo da escadaria (como acontece em Braga), mas apenas foi construída uma, dedicada à Sagrada Família. O escadório só foi terminado já no século XX.
Depois de visitar as duas cidades, estava na hora de iniciar um périplo pelas Aldeias Vinhateiras e “entrar” na paisagem duriense. Próxima paragem: Aldeia Vinhateira de Ucanha.
Aldeia Vinhateira de Ucanha
Ucanha pertence ao concelho de Tarouca. A povoação é bastante antiga e a origem do nome da aldeia remete para o vocábulo cucanha que pode designar casebre ou lugar de diversão e é, segundo dizem, a localidade mais antiga das redondezas. Os primeiros povos que aqui se instalaram foram os Romanos, conforme provam os vestígios ainda existentes de uma das principais vias romanas que conduzia a Bracara Augusta (Braga).
Séculos mais tarde terá sido graças à sua ponte, único local de travessia, que se deveu o desenvolvimento da povoação. Foram os monges da Ordem de Cister que acompanharam o progresso de Ucanha já que a sua ponte fortificada servia como portagem para entrada nas terras do Mosteiro de Salzedas.
Linha de Terra já tinha estado na bonita aldeia de Ucanha, em 2018 (ver aqui). De Lamego a Ucanha são cerca de 15 quilómetros que se fazem rapidamente pela N226, virando-se à esquerda (pela M520), já muito perto da Aldeia Vinhateira. A aldeia encontra-se bem sinalizada, pelo que não é difícil lá chegar.
Estacionei o carro no “topo” da aldeia, na M520, e fui rever esta magnífica localidade com as suas casas de pedra de dois pisos e magníficas varandas em madeira bastante coloridas. Ucanha desenvolveu-se ao longo de uma rua que atravessa o vale em direcção ao rio Varosa levando-nos até à ponte fortificada. Ao descer a rua encontrámos o pelourinho de Ucanha, do século XVII, com as armas reais. Neste pequeno largo podemos observar o edifício onde funcionou a Casa da Câmara e a Cadeia, (século XVI-XVII). Logo mais abaixo fica a capela de Nossa Senhora da Ajuda (também do século XVI-XVII). Continuando rua abaixo, chegamos a uma bifurcação que nos há-de levar até à igreja matriz de Ucanha, Igreja de São João Evangelista. Este edifício do século XVIII apresenta no seu interior a parede do altar totalmente revestida a talha dourada barroca, do século XVII e XVIII, e caixotões pintados no tecto.
Seguindo rua abaixo, vamos encontrar a Ponte Fortificada de Ucanha, classificada como monumento nacional. Calcula-se que a Ponte de Ucanha tenha sido originalmente construída pelos Romanos, no seguimento de uma estrada que passava por ali em direcção a Lamego. Na altura, quem atravessasse o rio para o couto de Salzedas teria que pagar uma portagem aos frades, já que o couto do Mosteiro de Salzedas gozava de autonomia e privilégios especiais. Mais tarde, aqui haveria de se pagar portagem, mas para os cofres da coroa. No século XII terá sido construído o arco e sobre ele um edifício para armazenar as portagens ali cobradas. Os restantes dois pisos da torre terão sido construídos posteriormente, já no século XV.
Por esta altura, se começou a sua viagem bem cedo, deve estar na hora de almoço, recomendo o restaurante mesmo à saída da ponte medieval.
Com o estômago forrado, é altura de regressar ao carro aproveitando para apreciar os pormenores da arquitectura das casas de Ucanha.
É tempo de continuar viagem rumo a Salzedas, a segunda Aldeia Vinhateira desta road trip. São pouco mais de três quilómetros seguindo a M520. No entanto, logo à saída de Ucanha, sugiro que faça uma breve paragem nas Caves Murganheira para uma visita às caves (cerca de 30 minutos) e aquisição de umas garrafas de espumante.
Aldeia Vinhateira de Salzedas
Chegado a Salzedas, ainda no concelho de Tarouca, é imponente a majestosa igreja de grandes dimensões que se destaca de todo o casario da pequena aldeia. Estacionei o carro no pequeno largo junto ao Mosteiro de Salzedas.
Infelizmente, aquando da minha visita, o Mosteiro encontrava-se encerrado, pelo que me fiquei por um breve passeio pelas estreitas ruas da aldeia, percorri a antiga judiaria, o Bairro do Quelho, que corresponde ao primitivo aglomerado urbano com as suas casas de origem medieval, e admirei o cruzeiro e o fontanário de pedra, mesmo ao lado da igreja do Mosteiro.
Salzedas é um povoado muito antigo; por aqui andaram Lusitanos, Romanos, Suevos, Visigodos e mais tarde Muçulmanos. O seu nome provém do latim Saliceta, que significa salgueiros, vegetação muito abundante nas margens do rio Varosa, que corre aqui perto. A aldeia terá crescido à volta do convento ali instalado no século XII, por D. Teresa Afonso, viúva de Egas Moniz.
O Mosteiro de Santa Maria de Salzedas era um conjunto de edifícios de raiz medieval composto por igreja, sacristia, claustros e residência paroquial. As obras de construção do Mosteiro pertencente à Ordem de Cister terão sido iniciadas por volta de 1168 e embora ainda conserve vestígios da construção primitiva o Mosteiro foi sofrendo alterações ao longo dos tempos, sobretudo no tempo de D. João III. Contudo, nos séculos XVII e XVIII, o conjunto sofreu profundas remodelações, das quais resultou a actual fachada da igreja. Do seu espólio destacam-se dois quadros do mestre Grão Vasco, representando o Santo Peregrino e São Sebastião e várias outras telas do século XVII.
Com a extinção das ordens religiosas, em 1834, o templo foi convertido em igreja paroquial e parte das dependências do mosteiro foram vendidas a privados.
O Mosteiro de Santa Maria de Salzedas, detentor de uma biblioteca notável, chegou a ser um dos mais ricos mosteiros portugueses e foi classificado Monumento Nacional em 1997.
Concluída a visita a Salzedas, é altura de seguir viagem. Desta feita segui para Armamar. O caminho até à vila de Armamar é feito por estradas secundárias e sinuosas (convém estar atento ao GPS) pelo que os cerca de 11 quilómetros que temos que percorrer demoram perto de 20 minutos.
Armamar
Chegado a Armamar, estacionei junto à bonita igreja românica de São Miguel. Apreciei as vistas a partir do miradouro da Misarela (mesmo ao lado da igreja) e dei uma volta a pé pelas ruas da vila, admirando alguns dos seus edifícios mais antigos.
Armamar é uma vila pequena e situa-se numa encosta da margem direita da ribeira de Temilobos e eleva-se a 525 metros de altitude, ficando apenas a quatro quilómetros da margem do rio Douro.
Curiosamente, no meio de uma região de montes e vales repletos de vinhas a perder de vista, Armamar é o maior produtor nacional de maçã, ostentando o título de “Capital da Maça de Montanha”. São maçãs produzidas em altitude, o que lhes confere características únicas e muito apreciadas: são mais doces, mais rijas e mais sumarentas. Vai ver que por aqui impera a maçã com os seus imensos pomares. Aqui e ali vai poder parar o carro na berma da estrada e provar a doce maçã.
Armamar é uma terra bastante antiga, surgindo com a denominação de Ermomar em documentos de 1160 e 1163, nome que poderá advir do repovoador germânico Ermomaro. A localidade terá sido conquistada definitivamente em 877 por Afonso III das Astúrias. Nos séculos XIII e XIV a vila era defendida por um castelo, do qual já não restam vestígios.
A igreja matriz de Armamar, igreja de São Miguel, é um templo de traça românica, construído no século XII, no local onde já existia uma ermida com a mesma invocação. Diz-se que a igreja terá sido construída com pedras provenientes do castelo, mas tal não parece ser verdade pois o castelo ainda estaria de pé no século XIV. A matriz é um edifício austero, simples mas bastante belo com a cabeceira semi-circular. Na fachada apresenta uma imponente torre sineira quadrangular que terá sido resultante das obras de restauro no século XVII.
No mesmo largo, por trás da igreja, temos os Paços do Concelho, um edifício do século XIX. Ao lado da igreja, como já referi, fica o miradouro da Misarela com uma maravilhosa vista para o vale do Douro e, ao longe, pode-se ver a serra do Marão. Embora não seja visível deste ponto, junto a este miradouro está a cascata da Misarela, onde as águas da ribeira de Temilobos se precipitam a grande altura na sua viagem rumo ao Douro. Mais à frente faremos uma pequena paragem para observar esta beleza natural.
Num breve mas bastante agradável passeio pelas ruas do centro histórico de Armamar podemos observar antigas casas solarengas com brasão e capela, antigas casas de pedra e alguns portais de granito lavrado. De regresso ao largo da matriz temos o Monumento ao Imaculado Coração de Maria, um obelisco no centro do jardim com a imagem de Nossa Senhora voltada para a igreja matriz.
Depois de visitar Armamar é altura de descer encosta abaixo (pelo CM1099) em direcção a Valcar/Folgosa e acompanhar parte do trajecto da ribeira de Temilobos até esta tocar o Douro. Logo que deixamos a vila vamos fazer uma pequena paragem, junto a um espaço com mesas e sombra, para observar a cascata onde as águas da ribeira se precipitam a grande altura. Infelizmente, estava tempo quente e seco pelo que a cascata estava praticamente seca, mas de Inverno deve ser um espectáculo grandioso.
Daqui para a frente a paisagem será definitivamente marcada pelos socalcos das encostas íngremes. Vamos entrar nos maravilhosos anfiteatros das vinhas do Douro, fruto da grandiosidade de uma paisagem única e do esforço humano que ao longo de diversas gerações moldou estas encostas partindo o xisto e o granito, construindo socalcos, erguendo muros e cultivado a vinha que daria origem ao nectar mais famoso do Mundo – o Vinho do Porto. Daqui para a frente não se consegue ficar indiferente a tamanha beleza, à geometria das plantações que seguem as curvas do terreno, às cores quentes de Outono que nesta altura do ano pintam a paisagem. Daqui para a frente as paragens (e as fotos) vão ser muitas, nos miradouros existentes e após cada curva da estrada vai ser preciso parar o carro, sair, esbugalhar os olhos, soltar um ah!, abrir os braços e tentar abraçar, captar e sentir esta paisagem grandiosa. Por isso, circule devagar e aprecie as pitorescas paisagens da região (eu parei muitas vezes para tirar fotografias ou, simplesmente para apreciar as vistas com mais calma e pormenor).
Vamos continuar a descer até chegar à beira Douro e virar à direita, em plena N222 no seu percurso mais pitoresco – entre a Régua e São João da Pesqueira. Nestes três dias iremos fazer muitos quilómetros naquela que já foi eleita uma das mais belas estradas do Mundo.
Poucos quilómetros há frente fiz uma pequena paragem em Folgosa, junto ao restaurante DOC, do chefe Rui Paula, para mais um contacto com o Douro e apreciar a paisagem envolvente repleta de quintas e vinhedos. Aqui temos uma via pedonal sobre o rio com cerca de um quilómetro num enquadramento paisagístico deslumbrante.
Continuei mais um pouco na N222 para, mais há frente, na foz do rio Tedo, virar à direita em direcção a Adorigo / Tabuaço. Este é um local fantástico onde o Tedo se contorce em curvas sucessivas para tocar o Douro. Um local bastante fotogénico na paisagem do Douro Vinhateiro.
Segui pela M512 para um pouco mais acima (pouco mais de dois quilómetros, parar no fabuloso Miradouro de Adorigo. Mais um local fantástico para fazer umas fotos e apreciar a majestosa paisagem.
Há que continuar estrada fora até à próxima paragem: a Aldeia Vinhateira de Barcos. Do Miradouro de Adorigo até Barcos são cerca de oito quilómetros.
Deixei o carro junta à Junta de Freguesia de Barcos e fui conhecer a aldeia a pé.
Aldeia Vinhateira de Barcos
A Aldeia Vinhateira de Barcos pertence ao concelho de Tabuaço e já foi sede de concelho entre 1263 e 1855, e é uma das mais bonitas e típicas Aldeias Vinhateiras do Douro.
A aldeia à semelhança de Ucanha, a aldeia de Barcos desenvolve-se a partir de uma artéria central estreita e comprida. Percorri as sua ruas em busca dos pequenos pormenores e apreciando a beleza e a simplicidade da aldeia. Nota-se que tem havido algum trabalho em recuperar a aldeia com arranjos urbanísticos e com a recuperação de algumas das suas casas típicas.
A ocupação humana da região é longínqua, como se comprova pelos vestígios arqueológicos encontrados no monte Sabroso, a cerca de dois quilómetros da aldeia, onde se erguem vestígios de um castro dos finais da Idade do Bronze.
A sua igreja matriz, igreja de Nossa Senhora da Assunção, é Monumento Nacional desde 1922 e foi construída nos finais do século XII, início do século XIII. De características românicas mas que ao longo dos tempos foi sofrendo muitas alterações. No seu interior apresenta retábulos em talha dourada e policromada e, no tecto, caixotões com pinturas representando cenas da vida de Cristo e da Virgem, com molduras profusamente lavradas.
As casas foram crescendo ao redor da igreja, num conjunto de ruas estreitas a fazer lembrar um povoado medieval. Passeando pela aldeia podemos encontrar os antigos Paços do Concelho (século XVIII) o Cruzeiro dos Centenários (1940), a Fonte Velha (século XVII), o antigo Forno da Confraria (séculos XVII-XVIII), a Casa da Roda (provavelmente do século XVII) ou o Fontanário do Largo do Adro (século XVIII). Podemos ainda encontrar solares e antigas casas senhoriais, testemunhos de um passado grandioso e ligado ao Vinho do Porto.
Nestas aldeias, em altura de vindimas, há um aroma característico no ar, oriundo das muitas adegas espalhadas pelas ruas. Quase que nos sentimos embriagados ao percorrer as ruas destas localidades dada a intensidade de aromas.
Depois da visita à Aldeia de Barcos, segui até à vila de Tabuaço. São cerca de quatro quilómetros a distância que separa as duas localidades.
Tabuaço
Tabuaço é uma vila situada na margem esquerda do rio Távora e a poucos quilómetros de distância do rio Douro. Implantada num planalto a 540 metros de altitude Tabuaço brinda-nos com paisagens deliciosas, caracteristicamente durienses, onde a natureza nos encanta.
O núcleo urbano da vila terá tido origem no século XIV, mas é sabido que, muito antes, por aqui andaram Romanos, Suevos e Visigodos.
Confesso que a minha ida a Tabuaço só tinha um intento (que não foi realizado…): ver o relógio mais completo do Mundo. A vila de Tabuaço apresenta alguns pontos de interesse, mas o seu maior cartão de visita é a magnífica paisagem duriense com as suas vinhas ao longo das encostas que se estendem até ao Douro.
Numa volta pela vila pude observar a bela igreja matriz, igreja de Nossa Senhora da Conceição, um edifício provavelmente do século XVII. No seu interior apresenta bonita talha dourada e, no tecto, caixotões com pinturas.
Mesmo ao lado da matriz fica o Museu Abel Botelho, inaugurado em 2013 e instalado num bonito edifício dos finais do século XVII, que homenageia o escritor e diplomata da terra.
Nas proximidades, encontramos o jardim Conde Ferreira onde fica a praceta dos pelourinhos, que para além de nos mostrar o pelourinho da vila, tem bonitas representação em azulejos dos diversos pelourinhos do concelho. Mesmo ali ao lado, na antiga escola primária (edifício do século XIX), está instalado o Posto de Turismo de Tabuaço, onde se encontra o Rijomax, um relógio único no Mundo, criado por Amândio José Ribeiro, antigo relojoeiro da terra, e que demorou 28 anos a construir. O Rijomax, para além das horas, indicava os minutos, segundos, 24 horas, hora universal, hora lunar, movimentos do Sol e da Lua, assinalava os anos bissextos, o nascer e o pôr-do-sol, marcava os equinócios, os solstícios e as fases da lua. Indicava as semanas e os dias da semana, os meses, as estações e os signos entre muitas outras coisas. Este relógio ainda despertava por música à escolha ou por campainha, acendia a luz à hora desejada e “falava” dizendo as horas. Um excelente exemplar de relojoaria, considerado o mais completo e complexo que se conhece. O relógio, actualmente, encontra-se parado desde a morte do seu criador, por não haver quem o consiga colocar a trabalhar. Infelizmente, eu não o consegui ver, pois o Posto de Turismo encontrava-se encerrado.
Um pouco mais à frente encontramos o Museu do Imaginário Duriense (MIDU), inaugurado em Janeiro de 2009, o primeiro dos onze núcleos museológicos que o Museu do Douro ambiciona criar na Região Demarcada do Douro. O MIDU é um espaço de divulgação e preservação de todas as manifestações do imaginário tradicional do Douro, tanto do património imaterial herdado como na vertente da utopia e da imaginação das novas gerações. O Museu encontra-se instalado num edifício que já foi escola e biblioteca.
Ao lado do Museu temos o edifício da Câmara Municipal. Ainda tive oportunidade para descobrir a capela de Santa Bárbara, junto ao Parque Abel Botelho. O pequeno templo, do século XVI-XVII, no seu interior apresenta o retábulo-mor em talha dourada e policromada, apresentando painéis com baixos-relevo contendo representações dos quatro Evangelistas.
Dia 2
Tabuaço - Pinhão - Casal de Loivos - Favaios - Provesende - São João da Pesqueira
Neste segundo dia, foi um dia dedicado ao relaxamento. Um dia “curto” para apreciar as vinhas, a paisagem, as cores quentes de Outono e desfrutar do rio. Um dia que prometia poucos quilómetros mas muita paisagem, história e património.
Logo pela manhã, voltei à N222 e à beira Douro. De Tabuaço até ao Douro são perto de dez quilómetros (pela N323) que serpenteiam encosta abaixo. Inicialmente por entre recantos de floresta e alguns campos agrícolas, para depois a paisagem voltar a dar lugar às enormes vinhas que ondulam pelos socalcos das encostas. Aqui as calmas águas do Douro, dominadas pelas barragens construídas pelo homem, contrastam com o “movimentado” ondular das vides plantadas ao longos das encostas em socalcos.
Chegado à N222, na foz do Távora, virei à direita em direcção à bonita vila do Pinhão, já na margem norte do Douro. São cerca de seis quilómetros, primeiro na N222 e, depois, na N323, sempre com o Douro a nossos pés, numa das mais bonitas paisagens do Mundo.
Pinhão
Estacionei o carro na bonita zona ribeirinha da vila do Pinhão com os seus Rabelos e os grandes barcos de cruzeiro. Sugiro que reserve meio dia para percorrer as ruas do Pinhão e, se tiver oportunidade, aproveite para dar um passeio de barco. Vai ver que não se arrepende e a paisagem vista do rio parece ter outro encanto. Existem passeios em Rabelos com a duração de uma e duas horas (Pinhão-Tua-Pinhão).
O topónimo da freguesia justifica-se pelo facto de aí se encontrar a foz do rio Pinhão, afluente do Douro. Antigamente chegava-se ao Pinhão por uma via romana que ligava Sabrosa à margem direita do rio Pinhão, ou por Murça, passando por Favaios, Vale de Mendiz, Vilarinho de Cotas e Casal de Loivos. Mais tarde, essa estrada foi apelidada de “Estrada Real”. Até ao início do século XVIII havia poucas casas junto ao rio e a sua população vivia quase exclusivamente da pesca.
Comparativamente com as demais povoações da região, o Pinhão é uma localidade recente, não tendo o encantamento de outras terras históricas com os seus castelos medievais. A vila foi fundada já no século XIX para servir de apoio às quintas da região por causa da necessidade de acomodar as pessoas ligadas à produção do Vinho do Porto. Mas desde cedo a vila tornou-se num importante entreposto logístico. No início o transporte das pipas de vinho era feito em barcos Rabelos que desciam o Douro até às caves em Vila Nova de Gaia. Depois, com o transporte ferroviário, os barcos foram relegados para segundo plano e, mais tarde, o transporte rodoviário a ser mais rápido e económico destronou o comboio. Hoje, Pinhão é o centro geográfico da Região Demarcada do Douro.
Em frente à zona ribeirinha do Pinhão o Douro descreve um meandro em redor do picoto de Monteiras (Quinta dos Carvalhais), com perto de 500 metros de altitude, um mirante privilegiado com um horizonte a perder de vista.
Situada na confluência do rio Pinhão com o Douro, a vila do Pinhão encontra-se rodeada de magníficos anfiteatros de vinhedos e o seu casario branco desenvolveu-se, naturalmente, em cascata, encosta acima.
Na vila, perca-se pelas suas ruas e visite o ex-libris da vila, a icónica estação do Pinhão, talvez a mais bonita da região do Douro, e um belo exemplar da arquitectura ferroviária nacional. A estação conta com 24 painéis de azulejos que foram encomendados, em 1937, à Fábrica Aleluia, de Aveiro. Os mais de 3000 azulejos foram pintados pelo artista João Oliveira a partir de fotografias e representam paisagens durienses e o ciclo do vinho. O caminho de ferro chegou ao Pinhão em 1880 e a sua estação foi construída no início do século XX.
Junto à margem do Douro situa-se o, também emblemático, Vintage House Hotel, um edifício do século XVIII. Inicialmente era uma quinta de produção vitivinícula e só na década de 1990 a casa e os armazéns foram transformados e convertidos em hotel.
Junto ao hotel, atravesse a ponte do Pinhão, uma construção do século XX. A ponte metálica assenta em três pilares de granito, tem desenho dos engenheiros Henrique d'Assunção e M. B. Pimentel Sarmento e foi concluída em 1905 pondo fim à travessia do rio Douro por barca.
Na outra extremidade da zona ribeirinha desfrute de um passeio pela margem do rio Pinhão e admire a ponte ferroviária e a “velha” ponte rodoviária, em pedra, construída em 1870.
Uma visita à vila do Pinhão não pode terminar sem uma ida ao Miradouro de Casal de Loivos que tem uma vista excepcional sobre o Pinhão e sobre o Douro. Vá de carro, pois são quatro quilómetros sempre a subir.
Depois de descansar a vista no Miradouro de Casal de Loivos, segui pela N322-3, fazendo parte da antiga “Estrada Real”, que me haveria de deixar em Favaios. São cerca de 11 quilómetros por entre socalcos e vinhas.
Aldeia Vinhateira de Favaios
Cheguei à Aldeia Vinhateira de Favaios e consegui arranjar lugar para estacionar, mesmo no centro, perto do Núcleo Museulógico de Favaios - Pão e Vinho, e fui dar uma volta pelas suas ruas.
Favaios, no concelho de Alijó, é conhecida pelo seu vinho moscatel, o Moscatel de Favaios que, juntamente com Setúbal, são as duas principais regiões produtoras deste vinho.
O topónimo Favaios deriva de Flávias, nome pelo qual a povoação era conhecida na antiguidade, que por sua vez deverá ter tido origem no nome de Flavius, o seu fundador.
Apesar da sua origem remontar à época Romana, o povoamento do território remonta à Idade do Ferro (1200 a.C - 1000). Estes primeiros povos viviam em pequenos castros e na região podemos encontrar vestígios que apontam para a existência, em tempos, de uma citânia por estas paragens. A cultura castreja sobreviveu até ao domínio romano e, aquando das invasões dos Mouros, o castelo de Flávias foi ocupado pelo invasor, obrigando os seus habitantes a procurarem outros locais. Após a expulsão dos sarracenos, em 1211, D. Afonso II concedeu carta de foral a Favaios e, em 1270, D. Afonso III confirmou essa mesma carta. Desde então, a vila foi evoluindo e desenvolvendo-se. Desde o século XVII que o vinho, o Moscatel de Favaios, tem tido um papel preponderante na economia local e na sua paisagem. Hoje, Favaios é uma povoação maior e mais desenvolvida do que as restantes Aldeias Vinhateiras.
Favaios tem belas paisagens, alguns solares e casas brasonadas e alguns pontos de interesse como fontes, capelas, a igreja matriz e alguns dos marcos graníticos que delimitavam a antiga Região Demarcada do Douro. A não perder são as diversas padarias artesanais, onde se pode deliciar com o Pão de Favaios, cozido em forno de lenha, bem como uma visita à Adega Cooperativa e outras quintas da região onde pode provar o famoso Moscatel.
Num percurso pelas artérias de Favaios, pode-se verificar que a Aldeia Vinhateira mantém algumas das suas antigas casas bem como alguns solares nobres, como o Solar dos Sepúlvedas (século XVII) e a Casa dos Távoras entre outras construções de grande valor arquitectónico e cultural como é o caso da bonita Fonte de Favaios, do século XIX, que apresenta um elegante frontão com o escudo nacional coroado sobre esfera armilar, possuindo, de lado, um tanque para os animais.
A igreja matriz de Favaios, igreja de São Domingos, de provável construção no século XVIII, apresenta no seu interior talha em madeira policromada e, no tecto de madeira, pinturas dos quatro evangelistas e de São Domingos recebendo o rosário. A torre sineira e os azulejos exteriores serão já do século XIX, altura em que a igreja foi reconstruída.
Numa pequena elevação, “por detrás” da matriz, fica a capela de Santa Bárbara, de provável construção no século XVII, de onde se tem um magnífico panorama sobre a vila e sobre a região.
De regresso à rua Direita, onde passa a N322-3, temos algumas casas antigas bastante interessantes. Em frente ao Núcleo Museológico de Favaios - Pão e Vinho, fica o largo da Praça com um interessante conjunto de casas com importante valor arquitectónico onde se destaca a antiga Casa da Câmara, um bonito edifício da segunda metade do século XVIII, que integrava a cadeia.
O vistoso edifício do Núcleo Museológico de Favaios - Pão e Vinho, foi uma reconstrução e adaptação de um antigo solar do século XVII, do qual já só existia a sua fachada. O Núcleo Museológico, que integra a rede de espaços do Museu do Douro, é um espaço muito interessante que interpreta a história do vinho moscatel e do pão de Favaios, procurando valorizar os recursos locais dando a conhecer as tradições e processos associados a estes produtos.
Um pouco mais abaixo, na margem da estrada, e com vista para as vinhas, temos um elegante cruzeiro oitocentista.
Mesmo ao lado de Favaios, a cerca de três quilómetros, fica Alijó. Nesta viagem optei por não visitar Alijó, dado ter lá estado o ano passado [ver aqui] aquando da road trip pelo nordeste transmontano.
Havia então que seguir viagem, desta feita com destino a mais uma Aldeia Vinhateira: Provesende. São cerca de 20 quilómetros que se fazem inicialmente por uma estrada secundária e depois pela N322. Até Sabrosa vamos atravessar uma vasta zona de vales repletos de vinhedos. Chegado à vila de Sabrosa, há que virar à esquerda seguir pela N322, uma das estradas mais bonitas da região do Douro Vinhateiro. A N322 que nos há-de levar de regresso ao Pinhão, é uma estrada panorâmica de grande beleza com vários miradouros e com excelentes vistas sobre as vinhas, o Douro e, já no final, sobre o Pinhão. Este é um dos vales mais bonitos e fotogénicos do Douro Vinhateiro. Vale a pena percorrer esta estrada (em qualquer sentido) repleta de pontos de paragem (não só nos Miradouros) e contemplar a beleza destas paisagens.
Aldeia Vinhateira de Provesende
Deixei o carro junto ao imponente fontanário de estilo barroco, datado de 1755, e percorri demoradamente as bonitas ruas de Provesende, uma das mais emblemáticas aldeias da região do Douro. A aldeia pertence ao concelho de Sabrosa e fica a 13 quilómetros do Pinhão.
A aldeia ergue-se num planalto com vistas maravilhosas sobre toda a região envolvente. As origens da aldeia remontam à época luso-romana, atingindo o seu apogeu durante o séc. XVIII, com o desenvolvimento económico em torno da cultura vinícola e com a chegada de algumas famílias nobres que aqui construíram as suas casas e quintas. Do seu património edificado destaca-se o conjunto urbano constituído por onze solares e casas brasonadas, a igreja paroquial, a capela de Santa Marinha, a Fonte Velha e o Pelourinho, marco da autonomia municipal que a povoação deteve até ao séc. XIX.
Diz-se que o topónimo Provesende virá de uma antiga lenda. Reza a lenda que Zaide um Mouro, irmão de Jahia, rei de Toledo, habitaria no castelo de São Domingos, nas proximidades de Provesende, anteriormente conhecida como San Joanes. Certo dia o castelo foi atacado pelas forças cristãs e deu-se um massacre tendo morrido todos os mouros, excepto Zaide que entretanto havia fugido. No entanto, foi capturado, torturado e assassinado. No momento de maior sofrimento terá exclamado “Prove Zaide, Prove Zaide!”, vindo daí o nome de Provesende.
A aldeia tem um centro muito rico em património, bastando percorrer as suas ruas para encontrar, a cada esquina, um solar ou casa brasonada. A Aldeia Vinhateira de Provesende está bem preservada e o seu património único encanta quem a visita. Aqui terá nascido o navegador Fernão de Magalhães.
Para além das muitas casas senhoriais e brasonadas podemos encontrar o bonito Pelourinho de gaiola, do século XVI, e a igreja matriz, dedicada a São João Baptista, um templo do século XVIII que terá sido construído no lugar de um outro mais antigo. O seu interior é bastante rico em talha dourada e o tecto, em madeira pintada, apresenta o baptismo de Cristo.
Já fora da aldeia, na N323, podemos encontrar a capela de Santa Marinha, o templo mais antigo de Provesende, datado do século XVIII, construído para substituir um outro do século IV-V.
Era altura de rumar ao Pinhão, pela panorâmica estrada nacional 323. Mais uma vez, parei imensas vezes pelo caminho para fazer fotos e admirar as bonitas paisagens da região vinhateira.
Chegados ao Pinhão, e se ainda tiver tempo, percorra a M590 entre o Pinhão e o apeadeiro de Ferrão, junto ao Douro, é uma estrada estreita e sinuosa para se fazer devagar que atravessa vinhedos e aldeias perdidas no tempo. São cerca de 18 quilómetros (para cada lado) que demoram cerca de 40 a 45 minutos a fazer, mas para quem apreciar a calma do mundo rural e a natureza, certamente irá apreciar.
Éra altura de deixar o Pinhão para trás, atravessei a ponte metálica e fui “apanhar” a N222. Sempre direitinho até São João da Pesqueria por entre socalcos repletos de vinhas, que nos brindam a cada curva da estrada.
Dia 3
São João da Pesqueira - São Xisto - São Salvador do Mundo - Trevões - São Leonardo da Galafura
Este terceiro dia, seria dedicado a mais duas aldeias e aos dois miradouros mais famosos do Douro. Seria também o dia dedicado a percorrer parte da N222 e aos seus muitos miradouros. Mas comecemos por percorrer as ruas de São João da Pesqueira, uma vila no coração da Região Demarcada do Douro.
São João da Pesqueira, a vila mais antiga de Portugal
A bonita vila de São João da Pesqueira encontra-se no coração da da Região Demarcada do Douro, sendo o maior concelho produtor de vinho – vinho de mesa DOC e Vinho do Porto.
A produção de vinho é a principal força económica do concelho, onde existem grandes explorações vinícolas, geralmente pertença de companhias que se dedicam à produção e comercialização do Vinho do Porto. Para além de ser terra de (bons) vinhos, São João da Pesqueira é também terra de azeite de excelência e de amendoeiras, podendo ser porta de entrada para a Rota das Amendoeiras em Flor no início da Primavera.
As terras de São João da Pesqueira são povoadas desde tempos imemoráveis. No concelho abundam vestígios de fortificações castrejas, acreditando-se que a sua primeira fortaleza tenha sido um castro lusitano, mais tarde aproveitado pelos Romanos. D. Afonso III de Leão terá encontrado a fortaleza destruída e despovoada tendo mandado construir um castelo no ano de 900. Hoje não existem quaisquer vestígios desta construção.
A vila é mais antiga que a formação da nacionalidade, sendo mesmo a mais antiga de Portugal, cujo primeiro foral data do ano 1055, concedido pelo monarca leonês Fernando “O Magno”. Posteriormente, quatro reis confirmaram este foral: D. Afonso Henriques (enquanto ainda era Infante), D. Afonso II (1217), D. Afonso III (1256) e D. Manuel I (1510).
No século XIV o Rei doou a vila aos Távoras, família que aqui permaneceu até à sua trágica extinção, em 1759, na sequência do atentado contra D. José I.
Ao que parece, o Marquês de Pombal, que mais tarde viria a criar a Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro e a primeira região demarcada do mundo, terá estudado em São João da Pesqueira, no Convento de São Francisco.
O topónimo da vila está associado a uma aldeia piscatória que se situava nas proximidade do Cachão da Valeira onde o rio Douro tinha um desnível de cerca de sete metros, intransponível para os peixes que ali se acumulavam em cardumes, formando um grande pesqueiro naquele local.
O bonito centro histórico de São João da Pesqueira tem muito que ver, mas antes de se perder pelas suas ruas sugiro que se comece pelo Museu do Vinho, para ter um melhor conhecimento da região e da história da relação destas gentes com o vinho. Inaugurado em 2015, instalado num edifício premiado, a exposição é constituída por três espaços temáticos: o Território, a Paisagem da Vinha e os Lugares do Vinho. O Museu conta ainda com uma sala de provas, um wine bar e uma loja.
De seguida, passamos pelo edifício da Câmara Municipal instalado numa construção apalaçada do século XIX, apresentando no seu interior “quadros” de azulejos com representações alusivas ao cultivo da vinha e seu transporte pelo Douro em barcos Rabelos.
Quase em frente ao edifício dos Paços do Concelho fica a igreja de São João, um templo que preserva alguns traços medievais, cuja construção deverá remontar ao século XIV.
Caminhando mais um pouco encontramos a Casa do Cabo, um vistoso palacete do século XVIII com brasão Joanino, um dos mais belos exemplos do património construído da região. Delineado por Nicolau Nasoni, este solar pertenceu à família mais ilustre da época – a família Sande e Castro – que era detentora de várias quintas no Douro. Com a chegada da filoxera, foram várias as casas senhoriais que foram abandonadas e a Casa do Cabo foi uma delas, ficando anos mais tarde a funcionar como o tribunal. Actualmente, é pertença da Câmara Municipal.
Altura de penetrar no Centro Histórico de São João da Pesqueira e partir em direcção à Praça da República onde existe um conjunto arquitectónico setecentista de grande beleza e onde se destacam o Solar dos Távoras e a Capela da Misericórdia.
A bonita capela da Misericórdia, um templo do século XVII, de fachada barroca revestida de azulejos, onde apresenta dois painéis representando “Cristo e a Samaritana” e “Cristo curando um enfermo”. A Capela guarda no seu interior duas interessantes imagens da Rainha Santa Isabel e da Senhora dos Remédios. A Capela, que foi privativa dos Távoras enquadra-se no prolongamento do Solar dos Távoras, uma construção do século XVIII. No seguimento da capela temos um arco ogival com uma torre sineira que terá pertencido à primitiva cinta de muralhas da vila, seguindo-se as arcadas da praça (que em tempos funcionou como mercado) e a Torre do Relógio.
Em frente temos o Museu Eduardo Tavares, instalado num edifício do século XVIII, de fachada barroca com pedra de armas que foi mandado construir por D. Maria I. Este palacete já serviu de Câmara Municipal e Cadeia de São João da Pesqueira.
Nas traseiras da praça da República situa-se a rua dos Gatos onde existe um interessante conjunto habitacional composto por casas de xisto, outrora pertencente à judiaria. Os seus habitantes enfeitam as casas com gatos de louça pendurados pelas paredes ou a espreitar pelas janelas. A rua confunde-se com as origens da vila e em conversa com alguns dos residentes, estes garantem ser a rua mais antiga de São João da Pesqueira.
A rua Direita e a rua dos Gatos, a mais antiga artéria de São João da Pesqueira
Muito mais há a visitar na bonita vila de São João da Pesqueira, nomeadamente os solares, as quintas e as majestosas paisagens da região, com uma sucessão quase infinita de encostas em socalcos, que se sucedem após cada curva da estrada, fazendo lembrar a cadência das ondas do mar.
É altura de deixar São João da Pesqueira e apanhar a N222-3 em direcção a Ferradosa. Póximo destino: Aldeia de São Xisto.
Aldeia de São Xisto
A aldeia é um pequeno aglomerado de casas de xisto, uma rua inclinada numa das falésias sobranceiras ao rio Douro, num dos mais bonitos locais da região duriense.
Situada em pleno coração da área classificada pela UNESCO como Património Mundial, as suas casas estão quase todas restauradas e todas têm um nome. Hoje, são poucas pessoas que aqui vivem em permanência e a aldeia vive do turismo, sempre com os olhos postos nas vinhas e no Douro que passa sereno a seus pés.
Caminhei rua acima e pelas pequenas ruelas da aldeia, embora não haja muito para ver, cada casinha de xisto tem o seu encanto e pormenores deliciosos. A pequena capela de Santo Ovídio é pertença da quinta ali existente e conta com cerca de três séculos de existência. A aldeia não tem outro templo.
Deambular pela pequena aldeia é um encontro com a simplicidade das coisas, com a paz e o sossego, com o ar puro e com a beleza da natureza envolvente. É um momento zen.
A aldeia conta com uma fonte centenária e o mirante do Anjo Arrependido. Ao fundo da aldeia fica a linha de caminho de ferro e a ponte ferroviária de Ferradosa, inaugurada em 1980, que atravessa o comboio para esta margem do Douro.
Altura de regressar em direcção a São João da Pesqueira sempre com o Douro e as vinhas por companhia. Vamos passar por algumas quintas e por magnificas paisagens ondulantes ao sabor dos socalcos talhados pela força humana nas encostas durienses. Vamos fazer uma paragem num dos miradouros mais icónicos do Douro Vinhateiro, o Miradouro de São Salvador do Mundo, bem perto da vila de São João da Pesqueira.
Miradouro de São Salvador do Mundo
O Miradouro de São Salvador do Mundo está inserido num santuário, o maior do Alto Douro Vinhateiro. O santuário é constituído por um conjunto de nove capelas, as mais antigas do século XVI, que se erguem ao longo do monte Ermo, representando os passos de Jesus em Jerusalém a caminho do Calvário com esculturas quase em tamanho natural.
O monte Ermo é um imponente cone granítico com cerca de 500 metros de altitude sobranceiro ao rio Douro, tendo um declive muito acentuado na sua vertente com o rio, proporcionando uma panorâmica fabulosa sobre toda a região avistando-se ao fundo a barragem da Valeira, o Cachão da Valeira, onde terá morrido o Barão de Forrester e a zona de Ferradosa com a linha de caminho de ferro.
Segundo os vestígios arqueológicos encontrados no local, a ocupação do monte Ermo é muito antiga, desde o século IV a.C., sendo conhecidas também ocupações romanas e medievais. No século XVI o monte terá sido habitado por Frei Gaspar da Piedade que, depois de ter regressado de uma peregrinação por Roma e pela Palestina encontrou aqui o local ideal para se tornar um ermita. O Frei terá vivido numa pequena gruta que terá dado origem à construção da capela principal do santuário.
Do miradouro temos uma visão alargada da magnífica paisagem com o Douro a correr calmo lá no fundo das enormes encostas escarpadas.
O Miradouro de São Salvador do Mundo, um dos mais famosos da região, é um local de grande beleza que nos remete para a contemplação da grandiosidade da natureza que nos envolve e para o encontro com nós próprios.
Para os interessados por estas coisas da hidrografia e das barragens, a Barragem da Valeira fica a cerca de cinco quilómetros do Miradouro. Esta foi a terceira barragem a ser construída no Douro, tendo entrado em funcionamento em 1976.
Com um desnível de 33 metros, esta é a segunda mais alta barragem do Douro, a seguir à barragem do Carrapatelo (36 metros). Fica localizada a montante da foz do rio Tua, numa curva do rio, junto à estreita garganta rochosa onde antigamente se situava o Cachão da Valeira.
O Cachão da Valeira era uma garganta apertada e rochosa no rio Douro com uma corrente de água que caía de uma altura razoável e que impedia a navegabilidade do rio. Local de muitas histórias e lendas, as primeiras tentativas para desobstrução do Cachão da Valeira ocorreram em 1530. No entanto, só em 1780 é que se conseguiu a demolição do Cachão com centenas de explosões abaixo da linha de água. Os primeiros barcos começaram a subir e a descer o rio em 1789 e, em 1792, a obra foi dada como concluída.
Terá sido aqui que, em 1861, terá morrido afogado o Barão de Forrester.
O barco de Forrester virou-se e, segundo se conta, o Barão terá sido arrastado para o fundo por causa do peso do cinto com dinheiro que levava consigo. O seu corpo nunca foi encontrado. Nessa viagem, ia também D. Antónia Adelaide Ferreira, conhecida como “A Ferreirinha” que, segundo reza a história, não se terá afogado porque as saias de balão que então vestia, a fizeram flutuar até à margem.
Este é um local com uma paisagem imponente com elevados rochedos de ambos os lados do rio. Na margem esquerda do rio pode-se observar uma inscrição na rocha que menciona a destruição do Cachão da Valeira, que permitiu a navegabilidade do Douro até Barca D’Álva contribuindo para o desenvolvimento de toda a região.
Altura de seguir viagem para a última Aldeia Vinhateira desta road trip: Trevões.
Do Miradouro de São Salvador do Mundo até Trevões, são cerca de 22 quilómetros, quase todos em estradas nacionais. Vamos em direcção a São João da Pesqueira onde, mesmo na entrada da vila, apanhamos a N222 e, por um bocado, vamos afastar-nos do rio Douro, mas sempre entre vinhedos pontuados, aqui e ali, por alguns olivais. Depois seguimos pela N229 para depois de Valongo dos Azeites continuarmos pela M504 em direcção à aldeia de Trevões.
Aldeia Vinhateira de Trevões
A Aldeia Vinhateira de Trevões, embora pertença ao concelho de São João da Pesqueira, situa-se numa zona de transição, um pouco a sul do rio Douro. A paisagem à volta da aldeia (ainda) é dominada pelos vales do Douro e aqui ainda tudo gira em torno da produção do vinho, mas também se produz azeite e produtos hortícolas. Este é um recanto do Douro Vinhateiro quase secreto, repleto de belos locais e com alguns pontos de interesse.
Trevões foi sede de concelho entre o século XII e o século XIX. Desse tempo de localidade com importante relevância ficaram os testemunhos arquitectónicos como os solares, casas brasonadas e as casas mais antigas que tanto orgulham as suas gentes.
Deixei o carro junto à agência do Crédito Agrícola e, como sempre faço, percorri as ruas da aldeia a pé. Foi um passeio muito agradável e interessante, sob um sol quente, em que alguns locais se disponibilizaram para me dar explicações e indicações sobre este ou aquele palacete mais antigo. Esta é uma terra de gente trabalhadora, simpática e atenciosa para quem chega de fora.
Trevões é uma aldeia recuperada e cheia de história. Como acontece noutras aldeias vinhateiras, aqui dominam as quintas, as casas brasonadas e os solares. São várias as ruas a percorrer no centro do núcleo urbano de Trevões, onde se pode admirar os solares e as diferentes tipologias de construções bem como as suas cores alegres (à semelhança de Ucanha).
O Solar dos Caiados, à entrada da aldeia, é um edifício imponente e vistoso – um dos mais imponentes da região, apresenta uma capela e foi começado a construir na segunda metade do século XVII.
A igreja matriz de Trevões, igreja de Santa Marinha, é um tempo de origem medieval, provavelmente do século XIII. Da construção original ainda existem alguns vestígios. A torre sineira terá sido acrescentada posteriormente. O seu interior é riquíssimo, apresentando frescos do século XVI, talha dourada e tecto em caixotões de madeira pintados.
Ao lado da igreja matriz fica o antigo Paço Episcopal que, em tempos, terá servido de residência dos bispos de Lamego. O edifício é uma construção do século XVIII. Ao lado do Paço Episcopal, de frente para a igreja, fica a Casa do Adro, um edifício solarengo do século XVII.
Destaque ainda para a Fonte da Aldeia, provavelmente de origem romana. Pela aldeia existem outros solares e casas brasonadas dignos de visita, mas vamos ficar pelo largo da igreja para falar do Museu de Arte Sacra e do Museu Etnográfico de Trevões. Dois espaços, um ao lado do outro, para perpetuar as memórias e tradições desta localidade. Dois espaços de partilha, riquíssimos e muito bem apresentados. No Museu Etnográfico temos a recriação de uma casa típica da região, bem como várias peças ligadas ao quotidiano destas gentes. A não perder.
Depois de visitar a última Aldeia Vinhateira desta road trip, era altura de seguir novamente em direcção São João da Pesqueira. Continuando pela M504, são cerca de 16 quilómetros de uma paisagem dominada por montes e vales repletos de vinhas em socalcos e com vários motivos para, aqui e ali, ir fazendo paragens para fotografar.
Chegado novamente a São João da Pesqueira, é altura de “fazer a N222”, bom… pelo menos uma parte importante da mais bonita estrada do Mundo.
N222, a mais bonita estrada do Mundo
A vila de São João da Pesqueira é atravessada a meio pela N222, eleita em 2015, pela AVIS, como “World Best Driving Road” – a melhor estrada do mundo para se conduzir, e o seu troço entre o Peso da Régua e o Pinhão é mesmo considerado como a mais bela estrada do Mundo. Apesar de gostar de praticamente toda a N222 na sua extensão, eu acrescentaria uns quilómetros a este troço de grande beleza… Para mim, a beleza desta estrada estende-se entre a Régua e São João da Pesqueira, mesmo depois de se afastar da margem do Douro a beleza e a grandiosidade da paisagem em socalcos fascina e marca a memória de quem por aqui viaja.
A N222 liga Vila Nova de Gaia a Almendra (em Vila Nova de Foz Côa) e tem 226,3 quilómetros de extensão. Nesta road trip fiz uma pequena parte desta bonita estrada (43,7 quilómetros), mais precisamente entre o nó com a N229 em São Bartolomeu de Vilarouco (São João da Pesqueira) e a Barragem da Régua. Talvez, um dia lá mais para a frente, a N222 mereça uma road trip integral…
Mas agora é altura de seguir viagem e desfrutar da N222 em todo o seu esplendor, curva após curva, rumo ao último destino desta road trip pelo Douro Vinhateiro: o Miradouro de São Leonardo da Galafura (que já foi Hot Spot aqui no blog).
Saímos de São João da Pesqueira em direcção a Peso da Régua. Vão ser muitos (mas mesmo muitos…) os motivos para uma paragem na beira da estrada para fazer uma foto ou, simplesmente, para admirar a beleza da paisagem. Tenho a certeza que vai parar muitas vezes, pois os miradouros são muitos. Sugiro um pequeno desvio para admirar as vistas de dois dos mais belos miradouros da região: o Miradouro da Capela de Nossa Senhora das Neves (N 41°10.95066’ W 7°25.71696’) e o Miradouro da Capela de Nossa Senhora de Lurdes (N 41°11.61936’ W 7°23.97936’). Para tal deverá ter como referência a aldeia de Nagozelo do Douro, sensivelmente a meio dos dois Miradouros. Da N222 ao Miradouro da Capela de Nossa Senhora de Lurdes são cerca de sete quilómetros. Vale a pena o desvio, pois as vistas são de cortar a respiração.
De regresso à N222, há que continuar por entre a encostas recortadas com socalcos, onde a vinha domina a paisagem até voltarmos a “tocar” o rio Douro. Para além dos diversos Miradouros, recomendo uma paragem na foz dos rios Torto (quem vira para o Pinhão), Távora e Tedo, locais de grande beleza.
Chegado à Barragem da Régua, atravessei para a outra margem, para depois seguir pela N313-1 e N313-2 até ao Miradouro de São Leonardo da Galafura. São cerca de 20 quilómetros.
São Leonardo da Galafura
Terminei, assim a minha visita ao Douro Vinhateiro, bem perto do início desta aventura e num dos locais mais belos da região duriense.
O Miradouro de São Leonardo da Galafura ergue-se a 640 metros de altitude num promontório rochoso e tem uma vista imponente sobre o rio Douro e por toda a paisagem envolvente, com as vinhas em grande destaque. Deste miradouro, além da vista fabulosa sobre o rio Douro, avistam-se as regiões de Armamar, Tabuaço e Sabrosa entre tantos outros lugares por onde passei ao longos destes três dias.
O lugar é povoado há muitos séculos. Existem vários vestígios de poços romanos que, na altura, seriam usados para a extracção de minério. Por aqui existiu um castro romano, na altura liderado por um governador de nome Galafre. Pensa-se que terá sido a partir do seu nome que virá o topónimo Galafura.
Lá no alto, junto à ermida de São Leonardo (um templo do século XVIII), o Miradouro brinda-nos com uma das mais belas paisagens do Douro Vinhateiro, o local ideal para terminar uma road trip por uma das regiões mais belas do nosso país. Terminei com uma vista grandiosa sobre o Douro e com a magnífica paisagem das encostas em socalcos. Uma paisagem grandiosa para desfrutar sem pressas, apreciando as curvas do Douro e toda a geometria das vinhas.
Chega ao fim mais esta aventura, uma road trip pelo Douto Vinhateiro com passagem por algumas das mais belas aldeias e vilas da região duriense. É altura de deitar um último e demorado olhar pelo horizonte antes regressar a casa e é caso para dizer que já parto com saudades...
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