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  • Foto do escritorJoão Pais

Road Trip pelas aldeias históricas da beira interior

Atualizado: 13 de abr. de 2021



A saída do Porto foi pelas primeiras horas da manhã. O dia iria ser longo, havia que atravessar o país e o café da manhã estava “marcado” para Celorico da Beira. Até lá, havia muita auto-estrada a fazer. Após perto de duas horas de condução estava em Celorico; era altura do café da manhã e de esticar as pernas.

A vila de Celorico da Beira e o seu castelo estão inseridos numa “rede” de pontos estratégicos que, antigamente, serviam como linha de defesa do território nacional. São núcleos urbanos muito antigos, com origem muito anterior à da Nacionalidade e que, ao longo dos tempos, tiveram grande importância histórica.

Calcula-se que Celorico da Beira seja povoada desde o ano 500 a.C., embora o cronista frei Bernardo de Brito na “Monarchia Lusytana” (1597) refira que Celorico seria povoado desde o ano 2000 a.C. por Bringo (um dos reis lendários). Celorico da Beira foi um ponto estratégico de grande importância nas batalhas contra os mouros, espanhóis e invasões francesas.

Comecei por uma visita ao castelo. O castelo de Celorico da Beira é um castelo de montanha, assentando as suas muralhas em maciços rochosos. A fortaleza militar domina o vale do Mondego e tem um vasto horizonte. O castelo foi construído entre os séculos XIII ou XIV – não existe uma data precisa da sua construção –, provavelmente sobre um antigo castro pré-romano. A sua muralha original seria muito maior da existente actualmente, que terá sido destruída já no século XIX. A torre existente terá sido edificada mais tarde, já que se pensa que a torre de menagem original ficaria no centro das muralhas.

Celorico da Beira: Castelo, Torre do Relógio e igreja de Santa Maria


Descendo do castelo para o centro histórico, encontramos um largo repleto de monumentalidade. Do lado esquerdo temos a Torre do Relógio, uma torre medieval que terá feito parte das antigas muralhas. A data da sua construção também não é consensual, mas estima-se que seja do século XIV ou XV. O relógio que lá vemos terá sido introduzido na torre no século XVIII, tendo o seu mecanismo sido trazido do castelo, onde se encontraria até então. Um pouco mais abaixo, do lado esquerdo do largo, temos o Solar do Queijo da Serra da Estrela – Celorico da Beira é a capital do Queijo da Serra da Estrela –, um magnífico edifício datado do século XVII e que já albergou, em diferentes épocas, os paços do concelho, o tribunal e a cadeia. Em frente ao Solar do Queijo fica a Igreja de Santa Maria. A igreja de estrutura medieval, provavelmente do século XIII ou XIV, construída em granito e que foi sofrendo sucessivas reconstruções ao longo dos tempos, mantendo ainda alguns elementos da primitiva edificação. No seu interior, a igreja apresenta-se ricamente decorada com talha e apresenta as paredes revestidas a azulejos.

Não deixe de percorrer as ruas do centro histórico de Celorico da Beira, de ver o pelourinho, as suas janelas manuelinas e os magníficos solares e palacetes.

Celorico da Beira


Com a serra da Estrela como companheira de viagem – ela iria estar o resto do dia quase sempre ao nosso lado, altiva e verdejante –, era altura de seguir caminho para Castelo Mendo, já no concelho de Almeida.

A história de Castelo Mendo é riquíssima, tendo sido uma importante povoação. A vila situa-se num morro, embora a estrada para lá chegar desça... Deixei o carro no largo em frente às portas da vila onde pastava um grupo de cabras bastante curioso e, como sempre faço, percorri as ruas a pé.

Castelo Mendo é uma vila medieval bastante pitoresca e muito interessante quer do ponto de vista histórico quer arquitectónico, com as suas casas em pedra e com algumas portas e janelas de influência manuelina. Uma vila bastante cuidada e recuperada, com muitas casas restauradas, que delicia-nos a vista e a alma com as suas janelas e portas bastante coloridas e com muitas flores e plantas a decorar as ruas. No entanto, nota-se a falta de habitantes permanentes, pois a grande maioria das pessoas que por aqui andam, são visitantes.

Devido à sua importância e grandeza, Castelo Mendo foi a primeira localidade nacional a ter autorização real para a realização de uma feira franca com duração de oito dias e que se realizava três vezes no ano: na Páscoa, no São João e pelo São Miguel.

Castelo Mendo: Porta da Vila


O local hoje conhecido como Castelo Mendo teve ocupação desde a Idade do Bronze. Foi ocupado por Romanos e o seu castelo terá sido construído nos séculos XII e XIII para promover o repovoamento do território conquistado aos Muçulmanos e fazer frente às investidas de Castela e Leão. O castelo apresenta dois núcleos muralhados de épocas distintas. No ponto mais elevado uma parte primitiva do século XII e, depois, no século XIII, terá sido aumentada a sua muralha defensiva devido ao crescimento da população.

Na parte mais alta, onde se situava a torre de menagem, ainda podemos ver as ruínas da bela igreja de Santa Maria do Castelo, edifício de traça românica dos finais do século XII, ou inícios do século XIII. A fortaleza tem três entradas, sendo a porta da vila a mais espectacular, ladeada por dois torreões quadrangulares. Nesta porta estão duas esculturas em granito, conhecidas por Berrões ou Verrascos. As duas esculturas representam um macho e uma fêmea de porcos ou javalis. Crê-se que estas esculturas do século IV a.C. estejam relacionadas com cultos antigos ligados à fertilidade, talvez do povo Vetão (povo Celta que habitava a parte noroeste da meseta central da Península Ibérica e que por aqui terá andado até às invasões romanas).

Pelourinho de Castelo Mendo


Junto à igreja matriz, temos um magnífico pelourinho com sete metros de altura, um dos mais altos do país, o que atesta bem a importância que Castelo Mendo teve noutras épocas. Ali ao lado temos a igreja matriz, ou de São Pedro, edificada no século XIV e, um pouco mais abaixo, encontramos a Igreja de São Vicente, datada do século XIII.

Castelo Mendo tem e celebra uma lenda que vai resistindo ao passar dos tempos: a lenda do Mendo e da Menda. São duas figuras de origem Celta esculpidas em pedra, frente a frente, dois rostos: um de homem, outro de mulher. Segundo a lenda, um amor proibido com dois amantes destinados apenas a contemplarem-se para todo o sempre. Encontramos os dois “amantes” mais à frente, num edifício (século XVI/XVII) que já teve várias funções; casa da câmara, tribunal e cadeia. Este edifício apresenta uma gárgula, lá no alto, acima da porta; é o Mendo. Na casa em frente, ao lado da porta, mais abaixo, está a Menda – uma pedra ligeiramente saída com uma cara. Creio que as diferentes alturas das caras diferencia os estratos sociais dos dois amantes, daí o grande amor impossível.

Castelo Mendo: Ruínas da igreja de Santa Maria do Castelo

Castelo Mendo

Castelo Mendo: alguns animais curiosos com a nossa passagem


De olhos e alma cheios pelas belezas de Castelo Mendo, era hora de rumar mais a sul. No entanto, à saída de Castelo Mendo deparei-me com uma placa que indicava Castelo Bom. Confesso que não conhecia, nem tão pouco me lembro de alguma vez ter ouvido falar em Castelo Bom. Não estava previsto nenhum desvio na rota previamente estabelecida, já que o dia prometia ser longo e com muitos quilómetros, mas com a fonteira de Vilar Formoso ali tão perto Castelo Bom não podia ser muito longe...

Como acontece em muitos núcleos urbanos por estas paragens, a história de Castelo Bom perde-se no tempo. Apesar de se crer que os mesmos hominídeos que fizeram as gravuras do Côa também por aqui tivessem andado, o primeiro vestígio concreto de ocupação humana está datado da Idade do Bronze, calcula-se que cerca de 2500 a.C.. A espada de Castelo Bom (exposta no Museu da Guarda), encontrada cravada numa rocha, é prova de que por esta altura havia habitantes nesta região, provavelmente num castro a cerca de 600 metros da vila.

Por aqui terão passado os Lusitanos, os Vetões, os Romanos, os Visigodos, os Mouros e os Espanhóis nos reinados de Leão e Castela. Este território terá sido alvo de muitas conquistas e reconquistas por parte dos monarcas de Leão e de Portugal, só passando definitivamente para a coroa nacional em 1299, no reinado de D. Dinis.

Castelo Bom: Igreja de Nossa Senhora da Assunção e o que resta do pelourinho


Castelo Bom terá desempenhado um importante papel, já mais tarde, nas Guerras da Restauração (1640-1663) e, já no século XIX, aquando das Invasões Francesas que terão dizimado o que restava do seu castelo. Actualmente, pouco resta do castelo medieval, ficaram alguns bocados dispersos de muralha e uma porta com torre. Para nos deliciar existem as muitas casas de pedra de traça antiga, provavelmente, muitas delas, construídas com as pedras do castelo.

No largo principal de Castelo Bom encontramos a igreja de Nossa Senhora da Assunção, data dos séculos XVIII/XIV, que terá substituído um outro templo medieval ali existente. Podemos observar ainda o que resta do pelourinho, a antiga casa da câmara e a casa do fidalgo, algumas das construções com valor histórico e arquitectónico da vila. Existem ainda algumas janelas de inspiração manuelina, alguns solares e casas senhoriais, pelo que vale a pena calcorrear as ruas de Castelo Bom.

Castelo Bom


Depois de uma pequena paragem para almoço, havia que seguir em frente e tentar recuperar algum do tempo gasto. Virei para sul, A23 abaixo, rumei em direcção a Belmonte, já no distrito da Guarda. Ainda antes de entrar na vila parei para ver a bonita e enigmática torre Centum Cellas. A torre, em cantaria granítica tem cerca de 12 metros de altura e faz lembrar os monumentos Incas ou Aztecas.

A torre, já em ruínas, apesar das mais diversas teorias sobre a sua funcionalidade, segundo o IPPAR, que ali realizou escavações entre 1993 e 1998, o edifício da torre não se encontraria isolado, mas sim inserido num conjunto mais amplo. A torre seria parte de uma villa (residência de campo da classe alta) pertencente a Lucius Caecilius, um abonado cidadão romano, que em meados do século I terá mandado edificar a sua residência nesta zona. Sabe-se que a villa seria muito maior, com termas e outras instalações, mas existe a possibilidade de estarem irremediavelmente perdidas devido às construções existentes ali à volta.

Belmonte: Torre Centum Cellas


Era altura de seguir para o centro de Belmonte, bem no sopé da serra da Estrela. Estacionei o carro ao lado do castelo. Apercebi-me que o tempo voava e que devido ao adiantar da hora o resto da viagem estava comprometida, pelo que havia que resumir a passagem por Belmonte a uma visita rápida.

A história de Belmonte perde-se no tempo. Calcula-se que a região seja ocupada desde há seis mil anos. Aqui nasceu o navegador Pedro Álvares Cabral, pois a sua família tinha aqui origens. Já no século XIII, Belmonte é uma importante e próspera comunidade judaica com existência de uma sinagoga. Devido à perseguição dos Judeus em Espanha, calcula-se que esta comunidade tenha aumentado significativamente até 1496, altura em que D. Manuel I decreta a conversão forçada ao Catolicismo.

O castelo de Belmonte foi construído nos finais do século XII, tendo sido melhorado e aumentado ao longo dos reinados de D. Afonso III, D. Dinis e D. João I, tendo sido doado à família Cabral no século XV para sua habitação. Pensa-se que mais tarde, aquando das Guerras da Restauração, o castelo tenha voltado a ter a sua função militar.

Ao lado do castelo ficam as capelas de Santo António e do Calvário. A primeira crê-se ser a mais antiga (século XV) e a segunda já mais recente (século XIX). A capela do Calvário apresenta a sua porta decorada com os instrumentos da Paixão de Cristo. Mais abaixo, encontramos a igreja de Santiago e o Panteão dos Cabrais. A sua construção é atribuída ao ano 1240 e, em 1433, é edificada a capela dos Cabrais. Na capela estão depositadas as cinzas de Pedro Álvares Cabral e de outros membros da sua família.

Um pouco mais abaixo situa-se a sinagoga actual, inaugurada em 1996 (altura em que se assinalaram 500 anos sobre a expulsão dos Judeus de Portugal). Da sinagoga do século XIII já não há vestígios, apenas restando uma inscrição datada de 1296. Belmonte possui uma das poucas comunidades judaicas com Rabi.

Muito mais haveria para ver e visitar como, por exemplo, o Museu dos Descobrimentos ou o Museu Judaico, mas uma visita aprofundada a Belmonte ficará para nova oportunidade.

Castelo de Belmonte


Segui caminho em direcção a Sortelha que não conhecia. Sortelha é daquelas aldeias que apaixonam qualquer visitante, sendo uma das mais bonitas de Portugal. É uma aldeia com casas de pedra, (quase todas) bem conservadas.

Atravessámos a Porta Falsa ou a Porta Árabe e começamos a deliciar-nos com o que vemos. Sortelha é uma aldeia com casinhas de pedra muito “arrumadinha”, preservada e onde se nota um cuidado e um asseio particulares. No seu largo principal encontramos a casa da câmara, um edifício do século XVI, que já serviu de câmara, prisão e, mais recentemente, de escola. No mesmo largo está o pelourinho manuelino e a entrada para o castelo.

Localizado num ponto alto, a cerca de 760 metros de altitude, o castelo avista-se de longe. O edifício militar encontra-se rodeado por grandes penedos e foi mandado construir por D. Sancho I, no século XIII. A aldeia é rodeada por uma enorme muralha com quatro portas. Do alto do castelo avistamos a torre sineira, no topo de um penedo, de onde se têm uma magnífica vista sobre a aldeia. Os sinos da torre sineira servem para avisar a aldeia em caso de incêndio.

Sortelha: A aldeia com as suas casa de pedra ainda mantém a sua fisionomia original


A matriz, renascentista, é a igreja de Nossa Senhora das Neves, um edifício todo em pedra e que terá sido construído no século XVI. Subindo rua acima, chega-se à Porta Nova que, curiosamente, é a mais antiga... Repare, ao lado da porta, do lado de fora, gravadas na parede, duas “réguas” que serviam de medidas para os mercadores. Atente ainda no pequeno troço de calçada medieval e um pouco mais abaixo nas ruínas da igreja de Santa Rita com algumas sepulturas escavadas na rocha. Ao lado, tem ainda o antigo hospital da Misericórdia e a capela de Santiago.

É fácil ficar enamorado por esta bela aldeia. Vale a pena perdermo-nos pelas ruas de Sortelha, uma das mais antigas e bem conservadas aldeias medievais de Portugal (século XIII-XIV), que ainda mantém a sua fisionomia original. Aqui, facilmente conseguimos fazer uma viagem ao passado e imaginar nobres cavaleiros, príncipes e princesas e artesãos a trabalhar o ferro e a madeira à porta de suas casas.

Sortelha: Torre sineira

Sortelha: Castelo, rua da aldeia e Porta Nova


Não me apetecia sair daquela aldeia que nos encanta, mas o final da tarde aproximava-se e ainda faltava conhecer Castelo Novo, logo abaixo da cidade do Fundão, passando o túnel da Gardunha.

Castelo Novo começou por pertencer aos territórios doados à Ordem dos Templários, mais tarde Ordem de Cristo, no século XIII. A vila é uma localidade pitoresca com as suas casas tradicionais em granito, com portas e janelas pintadas de cores garridas. Situada num anfiteatro natural enquadrado pela serra da Gardunha e tem o seu castelo como principal atracção.

Subindo pelas ruas da vila, encontramos o edifício da antiga casa da câmara, uma construção românica, provavelmente datado de 1290, com o chafariz de D. João V ricamente trabalhado e que ostenta o brasão daquele monarca que o mandou construir. Em frente, está o pelourinho de estilo manuelino, do século XVI.

Castelo Novo: A casa da câmara, o chafariz D. João V e o pelourinho


Pelas ruas de Castelo Novo podemos ver palacetes e solares antigos, alguns com ricos pormenores, bem como algumas janelas manuelinas. Na vila existem várias capelas, todas elas dos séculos XVI e XVII e a igreja matriz, igreja de Nossa Senhora da Graça, do século XVIII. De notar ainda as numerosas fontes e chafarizes existentes na vila.

Chegados ao topo, encontramos o castelo que está assente num grande maciço granítico. A entrada ao lado do moderno posto de turismo denota que recentemente o conjunto foi alvo de uma “requalificação urbanística”, como o comprovam os passadiços metálicos construídos para mais fácil acesso à área intra muralhas. Do edifício original, do século XII, apenas resta uma torre quadrangular e alguns bocados de muralha. A torre sineira junto à muralha é uma construção muito mais recente. O edifício original terá sido abandonado das suas funções militares no decorrer do século XVII. Em escavações recentes, realizadas na área do castelo, foram encontrados vestígios e que este território terá tido ocupação desde a era medieval.

Castelo Novo: Parte a antiga torre do castelo e torre sineira


O topónimo de Castelo Novo tem uma história original. É que antes da existência deste castelo “novo”, terá existido um outro castelo (o “velho”) a poente da povoação. Conta-se uma lenda – A Lenda das Formigas –, de que a população se terá mudado do antigo castelo para o novo devido ao ataque de uma praga de formigas.

A noite já caía, era altura de regressar a casa. Um bocado cansado (para mais havia feito uma pequena entorse nos passadiços dos castelo) mas ainda havia muitos quilómetros para fazer de regresso. Um dia em cheio, repleto de coisas boas e paisagens magníficas. Vim com a alma cheia e a mente repleta de boas recordações.

Castelo Novo


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