O nordeste transmontano é uma das regiões mais bonitas de Portugal e está repleto de locais à espera de serem descobertos. E Linha de Terra adora vir para estes lados. Aqui ainda é possível encontrar pequenas aldeias (mais ou menos) preservadas que foram resistindo ao tempo, à modernização, ao despovoamento e que ainda preservam as suas tradições ancestrais. É a cerca de 20 minutos de Mirandela, em plena terra quente transmontana, que vamos encontrar a pequena aldeia de Romeu. Jerusalém de Romeu de seu nome completo, também apelidada de “aldeia das rosas”, devido às imensas roseiras que possui espalhadas por toda a aldeia. Romeu é uma pequena e encantadora aldeia no município de Mirandela, conhecida por muitos devido ao excelente restaurante Maria Rita, pouso regular de bons comensais e amantes da cozinha tradicional portuguesa e transmontana.
Romeu é uma pequena aldeia transmontana, com cerca de 50 habitantes, mas com uma história muito interessante e repleta de pontos de interesse. Pode-se chegar a esta pequena pérola da terra quente transmontana através da auto-estrada A4, mas recomendo que o façam a partir de Mirandela através da Nacional 15 que, paisagisticamente, torna a viagem muito mais agradável.
Esta pitoresca aldeia situa-se num vale verdejante entre vastos olivais e matas de sobreiros. Romeu ainda preserva as suas casas de arquitectura tradicional transmontana, casas de pedra, quase todas recuperadas, e que mantêm a sua traça original. A serenidade e o aspecto bucólico da aldeia ajudam a manter o ambiente rural que por aqui ainda se sente. A aldeia não é grande, mas tem meia-dúzia de pontos de interesse que nos levam a percorrer um pouco da história da aldeia.
Origem de Romeu
Pouco se sabe acerca da origem deste lugar e sobre o seu povoamento. Calcula-se que os terrenos hoje ocupados pela povoação terão pertencido a uma quinta medieval (talvez do século XIII) que, depois, terá dado origem ao povoado.
D. Sancho I, segundo rei de Portugal, doou a “Villa” de Mascarenhas ao fidalgo Estêvão Rodrigues (cavaleiro que terá acompanhado o monarca na tomada de Elvas e Torres Novas), onde se incluía o local de Romeu.
Terá sido aquele fidalgo a mandar povoar o lugar.
Mais tarde, este território terá sido doado à Ordem do Hospital de São João de Jerusalém (que mais tarde daria origem à Ordem de Malta) que aqui terá mantido uma dependência e cujos cavaleiros fundaram a ermida de Nossa Senhora de Jerusalém.
A família Menéres
A partir do século XIX a história da aldeia está intimamente ligada ao nome da família Menéres, uma família de verdadeiros benfeitores que aqui investiu e criou condições para o desenvolvimento da localidade e da sua população.
Clemente Menéres negociava vinhos e cortiças para o norte da Europa e para o Brasil. Natural de Vila da Feira, em 1874, Clemente Menéres, depois de ter viajado pela Europa, visita pela primeira vez Trás-os-Montes em busca de propriedades com sobreiros que lhe assegurassem a produção de cortiça. Ao chegar a Romeu ficou na estalagem da D. Maria Rita – a única que ali existia –, e pediu para lhe fazerem bacalhau. Bacalhau que foi servido e acompanhado de pão negro de centeio.
Comprou sobreiros e terrenos, instalou-se na aldeia onde criou a Quinta do Romeu, que depois originou a Sociedade Clemente Menéres, refaz as vinhas (então vitimadas pela praga da filoxera) e alarga os olivais existentes. Atento às necessidades da população local, construiu uma escola primária, assegurando o salário dos professores.
Em 1878, é aqui que cria a sua primeira fábrica de rolhas que, mais tarde, viria a crescer e a ser transferida para Mirandela. Anos depois, devido às dificuldades inerentes a uma cidade do interior do país, resolve mudar a fábrica para o Convento de Monchique, no Porto. Em 1897, manda reconstruir a ermida de Nossa Senhora de Jerusalém. Devido à sua influência junto dos poderes públicos do norte do país, consegue que o caminho de ferro passe por Romeu e, em 1905, a linha do Tua chega a Romeu.
A história de Romeu e o legado da família Menéres continuam intimamente ligados até à geração actual. O filho de Clemente Menéres, José, fundou a “Cooperativa Por Bem” para abastecer os habitantes de mercearia e produtos de primeira necessidade, criou a Casa do Povo, com consultório médico, farmácia e biblioteca, onde, mais tarde, se criaria um grupo de teatro e onde se começaram a passar filmes (numa máquina cinematógrafo, de 1912, que trabalhou no Cinema Pathé, na cidade do Porto e que hoje se encontra no Museu de Curiosidades). Depois de José falecer, o seu irmão, Manuel Menéres, recuperou as casas dos lugares vizinhos de Vale de Couço e de Vila Verdinho, criou uma creche, um jardim de infância e funda o Museu de Curiosidades. Quando Maria Rita faleceu, a estalagem fechou e ficou em ruínas até ser adquirida e restaurada, em 1966, por Manuel Menéres, transformando-a num restaurante. O mesmo que ainda existe hoje.
Ao fim de 150 anos o património de Clemente Menéres mantém-se na família, mantendo-se fiel à sua estratégia, às culturas tradicionais e com a convicção de que os naturais da região são quem melhor sabem tratar destas culturas.
O topónimo Romeu
O topónimo da aldeia poderá derivar da junção da designação da Ordem do Hospital de São João de Jerusalém, que aqui terá tido uma dependência na época medieval, com o significado de Romeu, que vem do latim romaeus, que designava um peregrino a Roma, um romeiro.
A beleza de Romeu
Ao chegarmos a Romeu, ainda na Nacional 15, destacam-se as grandes casas amarelas com letras azuis. Era aqui que funcionavam a Casa do Povo, o salão de festas e a escola primária manda construir por Clemente Menéres.
Viramos pela EM572, mesmo ao lado da Quinta do Romeu. Logo ao cimo, avista-se a antiga estação de caminhos de ferro. E, logo mais à frente, do lado esquerdo, o acesso à capela de Nossa Senhora de Jerusalém, por entre um vasto olival. Deixei a visita à capela para o final da minha passagem por Romeu.
São cerca de três minutos (de carro) até chegarmos ao centro da aldeia. Aqui vamos encontrar um bonito largo ajardinado (o largo da Paz) , à volta do qual se desenvolve o centro da pequena povoação. Romeu é uma pequena mas lindíssima aldeia transmontana e à volta do seu largo podemos observar que a aldeia ainda conserva as suas bonitas casas de arquitectura tradicional, em pedra e mantendo a sua traça original. Aqui podemos encontrar algumas casas bem antigas. O restaurante Maria Rita e a pequena capela destacam-se no centro da aldeia.
Passeie pelo largo da aldeia, observe as casas e aprecie a calma e a paz que aqui se vive. Aproveite o ar puro, respire fundo e sinta o aroma das rosas.
No centro do largo, encontra-se a pequena capela dedicada a Nossa Senhora do Rosário e, já um pouco afastada do centro da aldeia a igreja matriz, dedicada a Nossa Senhora da Anunciação.
Não deixe de visitar o Museu de Curiosidades com peças recolhidas pela família Menéres ao longo dos anos, onde se inclui um Ford T, e a Loja do Romeu onde pode adquirir o excelente azeite, vinho, mel ou compotas produtos de grande qualidade produzidos na Quinta do Romeu.
No regresso subi ao monte onde se situa a ermida de Nossa Senhora de Jerusalém. A ermida, que se situa numa pequena elevação rodeada por olivais é um excelente miradouro com vistas desafogadas. Por isso, vale a pena fazer o desvio para visitar a pequena capela e fazer uma pequena pausa, pois aqui as vistas são fantásticas.
O caminho de ferro
De regresso à EN15, é necessário virar à direita para ver a ponte do caminho de ferro, junto à antiga passagem de nível. A ponte sobre a ribeira da Açoreira fazia parte da Linha do Tua que ligava a cidade de Bragança a Foz Tua, na linha do Douro.
O projecto de construção desta linha iniciou-se em 1878 e foi desactivada em 1991. A Linha do Tua tinha 134 quilómetros de extensão e acompanhava o percurso do rio Tua desde a sua foz, no rio Douro, até Mirandela e, depois, seguia para Macedo de Cavaleiros e Bragança.
O caminho de ferro chegou a Romeu em 1905, graças à persistência de Clemente Menéres.
O que visitar em Romeu
Apesar de ser uma localidade pequena, a aldeia de Romeu está repleta de motivos de interesse, quer sejam as suas casas tradicionais de construção antiga, os seus monumentos religiosos ou o seu passado histórico e cultural são dignos de uma visita atenta e demorada.
Capela de Nossa Senhora do Rosário
Localizada no largo da Paz, no centro da aldeia, enquadrada por um jardim, a capela de Nossa Senhora do Rosário, é um templo construído em granito, em finais do século XVI (apresenta gravado na pedra o ano de 1596). Na sua fachada, inteiramente de pedra, podemos observar uma sineira coroada com uma cruz latina.
Em frente a capela, ergue-se um cruzeiro de aspecto tosco, mas já datado do século XX.
Tanque e fontanário da aldeia
Bem perto da capela de Nossa Senhora do Rosário, num pequeno largo envolto por árvores, fica o tanque comunitário e o fontanário da aldeia, uma obra de 1935, conforme se pode ler na placa afixada no espaldar do fontanário.
Igreja paroquial de Romeu
A igreja paroquial de Romeu, ou igreja de Nossa Senhora da Anunciação, encontra-se em local isolado, já nos limites da aldeia. A igreja de Nossa Senhora da Anunciação é uma construção simples e encontra-se rodeada por campos com oliveiras. O templo é datado do século XVI, construído em cantaria de granito e apresenta na sua fachada dupla sineira e cruz latina.
Museu de Curiosidades
Este é o local onde se faz uma fantástica viagem no tempo pelas memórias e objectos do passado. O museu apresenta uma interessante colecção de antiguidades e de inúmeros objectos recolhidos pela família Menéres ao longo dos anos. Aqui vamos encontrar quase tudo: objectos relacionados com a vida rural no final do século XIX e início do século XX, automóveis antigos (um Ford T, de 1909, e até um antigo carro de bombeiros), bicicletas, relógios, máquinas de costura, máquinas fotográficas, máquinas de projecção de cinema (que projectavam os filmes na Casa do Povo), grafonolas e uma das juke-boxes mais antigas do mundo. O Museu abre entre as 12 e as 17 horas e está fechado às segundas todo o dia e quartas de tarde.
Loja do Romeu
Este é o local ideal para trazer uma recordação da aldeia. Na Loja do Romeu vai encontrar produtos produzidos na Quinta do Romeu, como o excelente azeite, vinho, mel ou compotas. Aqui ainda pode encontrar peças de artesanato. A loja está aberta entre as 10 e as 18 horas. À quarta-feira, entre as 12 e as 16 horas. Encerra à segunda-feira.
Ermida Nossa Senhora de Jerusalém
Ao chegar ao centro da aldeia, do lado esquerdo, logo a seguir ao edifício da estação ferroviária, vamos passar por uma imagem de Nossa Senhora de Jerusalém esculpida numa pedra, ao lado de uma estrada estreita e em paralelos. Essa estrada leva-nos até uma elevação repleta de oliveiras. No topo, fica a ermida de Nossa Senhora de Jerusalém com um grande lago. Para além de sombra refrescante, aqui ainda vai encontrar um coreto e um cruzeiro.
A ermida de Nossa Senhora de Jerusalém é um pequeno templo do século XVI que, no seu interior, tem uma imagem de Nossa Senhora de Jerusalém no altar-mor e uma pintura representando a aparição de nossa senhora à pastora.
O local está associado a uma lenda que nos conta que a capela foi construída pela comunidade, a pedido de uma pastora a quem a Nossa Senhora apareceu. Para atestar a verdade desta solicitação, Nossa Senhora fez brotar água, escassa na altura, na fonte do cabeço, assim como todo o dinheiro necessário para a construção da ermida, a pastora encontraria num buraco ou numa lapa. Vale a pena fazer o desvio para visitar esta pequena ermida e fazer uma pausa retemperadora, pois aqui as vistas são fantásticas.
Estação ferroviária de Romeu
Logo acima da estrada municipal 572 que serve a aldeia, está a antiga estação ferroviária de Romeu. A estação, aparentemente abandonada, fazia parte da Linha do Tua e foi construída no início do século XX, quando o comboio aqui chegou.
As instalações eram compostas pelo edifício de passageiros e cais de embarque coberto, casa de habitação de pessoal e instalações sanitárias.
O edifício principal, em cantaria de granito rebocado, estava dividido entre áreas de serviço e sala de espera, no piso térreo, e habitação do chefe de estação, no segundo piso. A estação de Romeu tinha linha principal e secundária e agulhas para mudança de via. A montante da estação fica a ponte metálica.
Ponte ferroviária de Romeu
Na estrada nacional 15, junto a um estaleiro de obras e ao antigo posto de passagem de nível (em avançado estado de degradação), podemos observar a ponte ferroviária de Romeu. Esta ponte sobre a ribeira da Açoreira é(ra) a maior ponte da Linha do Tua (134 quilómetros). A ponte metálica, agora desactivada, é uma estrutura imponente e bela, assente em dois pilares de ferro e apoiada em dois pontões de pedra.
A ponte foi construída no início do século XX e vale a pena a “visita” pela sua espectacularidade. Como curiosidade, nos anos 70 do século passado, este local era bastante frequentado por fotógrafos de toda a Europa que aqui se deslocavam para fotografar os comboios a vapor.
Restaurante Maria Rita
Hoje integrado na Quinta do Romeu, o restaurante Maria Rita é uma “instituição” da gastronomia nacional, um sítio histórico que utiliza os produtos de excelência (biológicos) produzidos na quinta. Frequentado por amantes da boa cozinha, o Maria Rita foi distinguido internacionalmente e, por cá, foi eleito, em 2018, como uma das “7 Maravilhas à Mesa”.
O Maria Rita tem uma história que remonta ao século XIX. O seu nome remete para a antiga estalajadeira que, em 1874, deu abrigo a Clemente Menéres, quando este, vindo do Porto para comprar sobreiros, pediu para lhe arranjarem bacalhau que, na altura, veio acompanhado de pão negro de centeio.
Após a morte de Maria Rita, a família Menéres adquiriu o espaço, então em ruínas. Recuperou-o e reabriu o restaurante, em 1966, com o recheio de uma das suas casas, com a sua cozinheira e com as receitas da família.
A carta mantém-se inalterada desde essa época, sendo um dos seus pratos principais o Bacalhau à Romeu (prato que Clemente Menéres comeu, em 1874, quando aqui chegou).
O restaurante Maria Rita encerra à segunda-feira e ao domingo ao jantar.
Ali perto...
Cortiços
A cerca de cinco quilómetros de Romeu, mas já no concelho de Macedo de Cavaleiros, a aldeia de Cortiços tem alguns pontos de interesse. Cortiços foi vila e sede de concelho até meados do século XIX, e na aldeia podemos observar alguns solares e casas brasonadas que se destacam do restante casario. Há ainda a destacar a igreja paroquial, igreja de São Nicolau (século XVI), e a capela de Santo António (século XVII), bem como o Núcleo Museológico do Azeite.
Avantos
A seis quilómetros de Romeu fica Avantos, uma pequena localidade onde de entre o seu casario com algumas casas solarengas, e de construção tipicamente transmontana com as suas varandas em madeira, destaca-se a igreja paroquial, ou igreja de Santo André, um templo de provável construção no século XVI. A igreja tem um interior muito rico, apresentando o tecto com cobertura de madeira, integralmente preenchida com caixotões pintados e painéis nas paredes. A capela-mor também está ricamente decorada com talha dourada e caixotões pintados no tecto.
Mirandela
Mirandela é uma cidade a cerca de 14 quilómetros de Romeu. A cidade de Mirandela é banhada pelo rio Tua. À sua volta, encontram-se muitos montes e, por essa razão, em Mirandela verifica-se um microclima caracterizado por Verões abafados e quentes, sendo daí a origem do nome Terra Quente Transmontana.
A povoação é muito antiga, anterior aos Romanos, é uma cidade muito bonita e cheia de atracções, monumentos e zonas de lazer. Não faltam pontos de interesse onde passar um dia muito agradável. Mirandela também é conhecida pela sua gastronomia e pela Alheira.
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