Já aqui escrevi que sou um apaixonado pela serra da Freita. É um local de grande beleza e que me transmite paz e tranquilidade. Uma serra que guarda séculos de história e que esconde lugares “mágicos”, mas na imensidão da serra há um lugar especial. Esse lugar é Drave.
Drave é uma pequena aldeia perdida no meio da serra, onde só se chega a pé. Uma aldeia desabitada, de onde todos já partiram, mas onde, todos os dias, há gente que chega. Situada num fundo, rodeada por cumes altos, encaixada entre a serra da Freita e a serra de São Macário, isolada, “longe de tudo”, a cerca de quatro quilómetros da aldeia mais próxima, este lugar é a prova à resistência e à resiliência humana que durante séculos aqui ergueu e manteve uma povoação.
Esta não foi a minha primeira ida a Drave. Foi um regresso há muito aguardado. Foi a minha quinta vez. Já há vários anos que faço este trilho, todos os anos é como uma espécie de “peregrinação” (entretanto interrompida pela pandemia). É um local, um caminho e uma paisagem de que gosto muito. Todos os anos “tenho” que voltar à magia da serra, à magia de Drave.
Fiz este PR14 de Arouca da parte da tarde, depois de durante a manhã ter efectuado o PR13 (ver aqui). Os dois percursos têm início junto à pequena capela de Santo Amaro, na aldeia mineira de Regoufe. Há que estacionar o carro logo no início da aldeia, pois quase todas as ruas da pequena localidade são estreitas e (praticamente) intransitáveis.
Este PR14 é um trilho bastante acessível e sem grandes exigências físicas. A sua dificuldade maior, está na subida inicial: são perto de mil metros com uma inclinação considerável e com muita pedra solta. É uma secção do percurso para se fazer com calma e atenção para ver onde se põe os pés. No entanto, é uma subida que se faz bem e vai ver que no final o esforço vai ser recompensado pela grandeza da paisagem e pela beleza da aldeia de Drave.
Como este é um trilho muito exposto – praticamente não existe sombra ao longo do percurso – convém evitar as horas de maior calor que, aqui na serra, nos meses mais quentes, podem atingir temperaturas bastante elevadas.
Atravessamos a aldeia de Regoufe passando entre as suas casas típicas em pedra, e por entre algumas vacas, e galinhas que se passeiam pelo empedrado das ruas. É normal por estas aldeias “perdidas” no meio das serras os animais vaguearem sozinhos, quer pelos terrenos circundantes à povoação, quer pelas ruas das aldeias. Regra geral, são animais dóceis e se não os incomodarmos, eles também não se importam com a nossa presença. Encontrámos mesmo dois animais de raça arouquesa atravessados no meio de uma rua, aproveitando a sombra de uma ramada. Ocupavam toda a largura da rua pelo que tivemos que esperar que se afastassem para que pudéssemos passar.
Depois de percorrer algumas ruas da aldeia, é necessário atravessar a pequena ponte sobre a ribeira de Regoufe e há que começar a subida. Como eu já disse, são quase 1000 metros sempre a subir, com alguma inclinação mas que, com calma, se fazem relativamente bem. E vai ver que lá em cima será recompensado pela grandeza da paisagem. Aproveite a subida para ir apreciando a aldeia de Regoufe e o que resta do complexo mineiro de onde foram extraídas várias toneladas de volfrâmio destinado ao fabrico de material bélico para fornecer as forças aliadas durante a II Guerra Mundial.
Chegados ao topo, a dificuldade maior do percurso está ultrapassada. É aqui que começa a magia! Agora é tempo de uma pequena pausa para recuperar as pernas (e o fôlego) e admirar-se com a magnífica paisagem da serra e dos seus montes ondulantes onde podemos observar a famosa “Garra”. Enquanto recupera e aprecia a paisagem desfrute do silêncio que aqui impera, talvez só interrompido pelo som do vento. E neste dia nem vento havia... Vai ver que são paisagens deslumbrantes, paisagens de cortar a respiração. A serra parece gigante. Na Primavera, há todo um manto colorido a cobrir estas serras. Deixe-se levar pela grandeza da serra e pela beleza da paisagem. Esqueça tudo, respire fundo o ar puro da serra e contemple a magnificência da natureza. Deixe-se envolver pela imensidão, sinta a Terra.
Altura de seguir caminho, até à entrada da aldeia de Drave, agora por um estradão largo em terra batida com magníficas paisagens para admirar e fotografar. Daqui para a frente o caminho não apresenta grandes dificuldades, sendo quase sempre a descer até chegar a Drave. E já sabemos que se agora é a descer, no regresso será a subir.
Andamos mais cerca de 1500 metros por este estradão de terra batida até encontrarmos uma sombra… São meia dúzia de árvores onde o caminho inflecte à esquerda e onde temos o primeiro avistamento de Drave. Conseguimos ao longe, perceber o contorno de algumas casas e da pequena capela branca (capela de Nossa Senhora da Saúde). Faltam cerca de 1200 metros para chegarmos à aldeia. Daqui em diante o caminho torna-se mais estreito e mais irregular. Vamos percorrer uma espécie de lajeado de pedras de granito onde podemos observar algumas marcas deixadas pelos rodados das carroças e carros de bois que durante anos por ali passaram. Vamo-nos aproximando de Drave e a cada curva do caminho temos uma visão mais nítida da aldeia. Os muros de pedra indicam-nos que estamos nas imediações da aldeia, começamos a sentir a força e a “magia” do local e somos cativados pela sua beleza. Chegamos a Drave, a “aldeia mágica”.
Depois da imponência da montanha, deparamo-nos com a simplicidade de uma aldeia desabitada. Drave é um local único, com uma atmosfera muito própria, um lugar especial. Um lugar que nos faz sentir também a nós, meros fugazes visitantes, seres especiais. Existe ali uma harmonia, uma tranquilidade e uma beleza que poucos lugares nos conseguem transmitir. A beleza e a simplicidade de Drave transmite-nos paz, liberta-nos a alma, torna-nos mais leves e faz-nos sentir em comunhão com a natureza. Há ali algo de “mágico”.
A aldeia de Drave situa-se num fundo, encaixado entre as serras da Freita e de São Macário, sem acessos por estrada, sem água canalizada, sem electricidade e quase sem rede de telecomunicações – segundo uma placa afixada na aldeia, o telefone só chegou em 1993. A aldeia, praticamente em ruínas, conta, talvez, com uma vintena de pequenas casas em xisto escuro e a pequena capela de Nossa Senhora da Saúde (século XIX) caiada de branco. As suas ruas irregulares conduzem-nos por entre o pequeno núcleo de casas debruçado sobre o vale onde corre a ribeira de Palhais.
Numa volta pela aldeia, que está a ser recuperada pelos escuteiros, ainda podemos encontrar algumas casas de xisto cobertas com lousa, espigueiros, restos de uma adega e o solar dos Martins – família que ali viveu desde o século XVII.
Hoje, a aldeia está desabitada – o seu último habitante partiu no ano 2000 –, mas Drave é uma aldeia muito antiga. A sua história e origem perdem-se no tempo, mas sabe-se que tem muitos séculos. Pelo que se conhece, o documento mais antigo que faz referência a Drave, data do tempo de D. Dinis (século XIV), mas terão sido encontrados vestígios arqueológicos de que o local era habitado muito antes.
Supõe-se que os povos se terão fixado aqui devido à confluência de três ribeiras e à fertilidade destas terras. Os habitantes de Drave eram essencialmente agricultores que viviam do que cultivavam e do pastoreio dos animais. Nos últimos séculos, a existência de minas nas proximidades da aldeia também terá ajudado a que várias famílias de fixassem neste local. Conta-se ainda, que devido ao seu isolamento, a aldeia tenha surgido como refúgio a criminosos, mas não passam de suposições, pois não existe qualquer prova.
No entanto, Drave parece estar a renascer, voltar a ter vida. Hoje a aldeia é uma referência entre os amantes das caminhadas, uma referência na região e são muitos aqueles que a visitam. Em 1995, o Corpo Nacional de Escutas adquiriu algumas casas e terrenos para criar uma base nacional e, em 2003, abriu ali a sua Base Nacional da IV Secção, um centro escutista para caminheiros (escuteiros entre os 18 e os 22 anos). Com forte componente ambiental e espiritual, este centro é já uma referência mundial e hoje recebe caminheiros de todo o Mundo que não só participam nas actividades de reconstrução e manutenção da aldeia, como também aproveitando o retiro e o isolamento que a aldeia proporciona.
Depois de uma volta pela aldeia, desça junto à ribeira, onde vai encontrar sombras refrescantes e lagoas com pequenas quedas de água. Aproveite para se refrescar nas águas cristalinas da ribeira de Palhais e recuperar forças para o regresso.
Depois da vista à aldeia, de um banho relaxante e de retemperar forças, é altura de regressar.
O regresso faz-se exactamente pelo mesmo percurso. E como tudo o que desce tem que subir, agora é quase sempre encosta acima. Menos acentuada no início e mais inclinada a meio do trilho, a progressão faz-se bem e sem grandes esforços. Na descida final, antes de voltarmos a entrar na aldeia de Regoufe, é preciso especial cuidado e atenção onde se põe os pés. A descida é acentuada e derivado às imensas pedras soltas, o terreno é propício a escorregadelas e possíveis lesões. Com calma e atenção a descida faz-se sem problemas. Agora, resta a pequena (mas acentuada) subida, aldeia fora, até chegar ao carro.
Para finalizar, recomendo uma breve visita ao que resta das minas de Regoufe, importante complexo mineiro durante as Grandes Guerras, e que faz parte dos geossítios do Arouca Geopark.
No final desta aventura as pernas vão sentir o cansaço, mas a cabeça e o espírito certamente que estão mais leves e cheios de recordações e imagens maravilhosas que vai recordar para sempre. E, quem sabe, um dia, voltar.
Infelizmente, são cada vez mais as aldeias em vias de ficarem desabitadas em Portugal. É a realidade do nosso país. Mas Drave é especial. Aqui há “magia”. Aqui a pedra das casas funde-se com a paisagem e com a beleza da serra. Drave é uma aldeia com alma, é uma aldeia que nos apaixona. Ninguém esquece uma ida a Drave.
Regoufe
Regoufe é uma pequena aldeia tradicional do concelho de Arouca, “perdida” na serra de Arada. As suas gentes vivem da agricultura e da pastorícia – é normal cruzarmo-nos com vacas arouquesas e com rebanhos de cabras. Pelas estreitas ruas de Regoufe podemos ainda encontrar galos, galinhas, patos e perus.
Regoufe é uma localidade antiga e povoada desde a pré-história conforme comprovam a existência de algumas mamoas. O topónimo da aldeia virá desde o tempo dos Visigodos e quererá significar “rei dos lobos”.
Durante a II Guerra Mundial Regoufe foi uma importante aldeia mineira. O complexo mineiro, denominado “Poça da Cadela”, foi explorado por ingleses e daqui foram extraídas várias toneladas de volfrâmio destinado ao fabrico de material bélico para fornecer as forças aliadas. Aqui trabalhou cerca de um milhar de pessoas, maioritariamente oriundas de Valongo e de Viseu. Hoje, restam as memórias e as ruínas dos vários edifícios que compunham as antigas instalações mineiras.
A aldeia de Regoufe não deve ter mais de duas dezenas de habitantes. Para além das suas casas de pedra, a aldeia conserva a pequena capela de Santo Amaro com telhado em pedra de lousa. A aldeia de Regoufe dispõe de um restaurante (“O Mineiro”) e um café (“A Tasca da Ilda”).
Características do trilho
PR14 de Arouca – A aldeia mágica
Trilho linear de aproximadamente 4.000 metros (para cada lado).
Ponto de partida / chegada: Regoufe
Duração: cerca de 4h00 (ida e volta)
Altitude máxima: 750 metros
Altitude mínima: 594 metros
Grau de dificuldade: baixo (2 numa escala 1-5)
Este trilho pode-se fazer todo o ano, embora no Inverno seja preciso ter algum cuidado porque na serra atingem-se temperaturas muito baixas, podendo haver formação de gelo e mesmo, ocasionalmente, a queda de neve, tornando o piso muito escorregadio e perigoso. No Verão, é recomendável levar uma reserva de água e de evitar as horas de maior calor já que o trilho praticamente não tem sombras. No sentido Regoufe-Drave o início do trilho tem uma grande subida com bastante inclinação e pedra solta, sendo o restante percurso praticamente sempre a descer.
Drave é uma aldeia desabitada, pelo que não há qualquer estabelecimento. Não há água canalizada. Leve consigo água e um lanchinho.
Recomendações
Tenha sempre em atenção a sua forma física. Tente informar-se com antecedência do estado do terreno e estude o trilho. Confirme o estado do tempo para o local para onde vai. Não se esqueça que na serra o tempo pode mudar de repente. Use roupas e calçado adequado (de acordo com a estação do ano). Caminhe sempre nos trilhos marcados, não só por causa do meio ambiente, mas também para sua protecção. Respeite os animais, eles estão no habitat deles, nós é que somos o intruso. Em dias de sol quente, use protector solar e leve água consigo. Principalmente de Inverno, tome atenção às horas para não ter que caminhar no escuro (leve sempre uma lanterna). Sempre que possível, não vá sozinho, avise sempre um familiar ou um amigo para onde vai. Não deixe lixo e, se vir algum, tente levá-lo consigo sempre que possível. Não acampe sem ser em locais próprios. Não faça barulho, respeite a natureza, relaxe e desfrute, vai ver que não há melhor actividade física.
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