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Foto do escritorJoão Pais

De Avintes a Gaia entre Quintas e Pontes



Sou um apaixonado por trilhos e caminhadas há muitos anos. Para além do bem-estar que proporcionam, apercebi-me que existem muitos locais de rara beleza que não estão acessíveis de outra forma, por isso, há muito tempo que comecei a “deambular” por montes e vales – no início era mesmo sem qualquer preparação, era ir e ver onde vai ter… De início, ao pé de casa e, depois, por esse país fora.

Nem sempre se caminha por trilhos marcados, os chamados PR’s ou GR’s, umas vezes de improviso, seguindo o bom-senso, outras há que é só seguir em frente que sabemos ir ter a algum lado. Foi o caso mais recente, em que fiz o caminho existente junto ao rio Douro entre a praia fluvial do Areinho de Avintes (sim, a terra da Broa!...) e a Ponte Luiz I, no centro histórico de Vila Nova de Gaia.

Este é um percurso requalificado e recuperado recentemente pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia com o intuito de recuperar a frente ribeirinha do Douro que, no concelho de Vila Nova de Gaia, tem cerca de 20 quilómetros, desde o cais de Gaia até aos limites do concelho, em Lever.

Para já, temos disponível para usufruir deste magnífico enquadramento junto às águas do Douro, o trajecto compreendido entre o centro histórico de Vila Nova de Gaia e a praia fluvial do Areinho de Avintes. Este é um percurso de grande beleza, que tem vindo a reabilitar antigos caminhos e linhas de água que desaguam no rio Douro, bem como recuperar as memórias de algumas das antigas quintas existentes ao longo da margem esquerda do Douro.

Por questões logísticas, e para não ir com o carro para o centro da cidade, optei por começar no Areinho de Avintes, junto ao local onde se faz a Festa da Broa (em finais de Agosto, princípios de Setembro). Convém ressalvar aqui, que este percurso passa por duas praias fluviais e que, no Verão, ou em dias mais quentes, a afluência de veículos e de pessoas é grande. Foi o que me aconteceu: estava um dia quente e, apesar da grande extensão do Areinho de Avintes, não foi fácil arranjar lugar para estacionar o carro.


Areinho de Avintes
Areinho de Avintes

O agradável Areinho de Avintes foi alvo recente de uma requalificação e de melhoria das condições desta praia fluvial. Foram criados alguns apoios de praia, uma zona de merendas com churrasqueiras, campo de jogos, ciclovia e uma zona pedonal. No entanto, pereceu-me faltar casas de banho.

O Areinho de Avintes estende-se por cerca de um quilómetro, entre o cais para pequenas embarcações e o final da praia fluvial. É uma zona que desde sempre está ligada à prática balnear e à faina fluvial. Antigamente, os barcos vinham rio acima até ao Areinho para virem buscar a famosa Broa de Avintes que ali era vendida pelas padeiras.

Nas imediações da praia fluvial ficam o que resta da antiga Quinta da Devesa e da Quinta do Paço (um edifício do século XIX que veio substituir um outro mais antigo, do século XVI, e alvo de uma ampliação horrorosa na década de 80 do século passado – a estrada de acesso ao Areinho passa mesmo ao lado da antiga Quinta).

Saindo do Areinho de Avintes, seguimos por um caminho em terra que “corre” junto ao leito do Douro, sempre com gradil de protecção, e que nos levará até ao Cais do Esteiro onde desagua o rio Febros (afluente do Douro que nasce em Seixezelo, ainda no concelho de Vila Nova de Gaia). O rio Febros outrora era utilizado não só para a rega dos terrenos agrícolas mas também para fazer movimentar os moinhos de rodízio construidos nas suas margens. Era nestes moinhos que eram moídos os cereais que abasteciam os fornos das padarias de Avintes.

O lugar do Esteiro é um pequeno núcleo ribeirinho, bastante antigo e pitoresco, embora algo degradado. Numa curta e rápida volta as suas ruas estreitas, ainda é possível adivinhar a importância que as actividades ligadas à faina fluvial tiveram nesta pequena localidade. Era também aqui, no Cais do Esteiro, que as padeiras de Avintes embarcavam em valboeiros com cobertura para levar a famosa broa à cidade.


São vários os pontões, rampas e alguns cais de atracagem que vamos encontrar ao longo do percurso
São vários os pontões, rampas e alguns cais de atracagem que vamos encontrar ao longo do percurso

Atravessamos a pequena ponte sobre o Febros e seguimos, na minha opinião, pela parte mais agradável deste percurso ribeirinho. É nesta parte do trajecto que vamos encontrar algumas estruturas bem antigas como pesqueiros, pontões, rampas e alguns cais de atracagem recuperados e que, antigamente, serviam para carga e descarga de embarcações bem como para o acesso às muitas quintas aqui existentes. Naquele tempo as estradas eram poucas e o rio era uma importante via para acesso às quintas e para fazer chegar os produtos a Gaia e à Invicta.


A antiga Quinta da Fonte da Vinha deu lugar ao “Vinha Boutique Hotel”, um hotel de charme de cinco estrelas
A antiga Quinta da Fonte da Vinha deu lugar ao “Vinha Boutique Hotel”, um hotel de charme de cinco estrelas

É nesta parte do trajecto que vamos encontrar uma série de antigas e importantes quintas da região datadas a partir do século XVII: a Quinta dos Frades, também conhecida por Quinta de Nossa Senhora da Conceição por estar associada ao seu Mosteiro (do século XVII). Da construção original, subsiste a igreja, alguns corpos da zona conventual, parte da marcação do claustro e a cerca da quinta. O Mosteiro da Ordem dos Cónegos de S. João Evangelista dedicava-se principalmente à assistência hospitalar, acolhendo sacerdotes doentes que não tinham meios de subsistência; a Quinta do Arcediago, da qual resta uma pequena parte, pois a propriedade foi dividida aquando da construção da auto-estrada (A20); a Quinta dos Cubos, hoje praticamente inexistente também devido à construção da auto-estrada e ao plano de urbanização ali realizado; a Quinta da Fonte da Vinha onde hoje está instalado o “Vinha Boutique Hotel”, um hotel de charme de cinco estrelas. Da quinta original para além dos seus jardins e árvores de grande porte, restava o edifício de dois pisos que foi completamente remodelado e os muros de alvenaria (uns melhor preservados do que outros). Destaque para a fonte original existente no jardim que ainda se encontra em funcionamento; a Quinta das Carvalheiras; a Quinta da Torre Bella, hoje um espaço dedicado à celebração de eventos; a Quinta da Pedra Salgada também ela dedicada à realização de eventos; a Quinta do Mirante, abandonada e num avançado estado de degradação; a Quinta da Alegria, também em estado de abandono e cujos terrenos foram divididos pela construção da Ponte do Freixo.


Ponte do Freixo
Ponte do Freixo

É entre a Quinta do Mirante e a Quinta da Alegria que passamos por baixo da elegante Ponte do Freixo. A ponte foi projectada por António Reis e Daniel de Sousa e foi inaugurada em 1995. A Ponte do Freixo tem um comprimento de 750 metros e tem a particularidade de serem dois tabuleiros construídos lado a lado, afastados entre si dez centímetros.


Areinho de Oliveira do Douro
Areinho de Oliveira do Douro

É precisamente na passagem pela Ponte do Freixo, onde o Douro se contorce e se espraia numa bacia, que entramos no amplo Areinho de Oliveira do Douro, uma praia fluvial com cerca de 500 metros de extensão, também ela recentemente requalificada e melhorada ao nível de infra-estruturas e com amplo estacionamento.

O Areinho de Oliveira do Douro desde sempre foi uma importante referência para a região, sendo um importante pesqueiro desde o século XVI. Actualmente, é sobretudo frequentado para a prática balnear e de desportos sendo, certamente, uma das mais frequentadas praias fluviais da região pela sua proximidade com a zona urbana da cidade.

Seguindo em frente no nosso percurso, atravessando o Areinho chegamos a um agradável espaço refrescante, sobranceiro ao rio, com muita sombra composto por enormes plátanos, o Jardim do Areinho de Oliveira do Douro. Aqui, para além dum café, pode encontrar uma zona para piqueniques com bancos, mesas e um fontanário.


Passadiço do Cais de Quebrantões
Passadiço do Cais de Quebrantões

Logo a seguir, chegamos aos Passadiços do Cais de Quebrantões, uma estrutura metálica sobre o rio com um passadiço ciclo-pedonal em madeira com 550 metros de comprimento que permite a ligação entre o Jardim do Areinho de Oliveira do Douro e o Cais de Quebrantões.

Este passadiço já aqui existe há alguns anos, estando a precisar de uma revisão das suas tábuas de madeira. Junto ao passadiço temos o Vale de Quebrantões, zona muito fértil que outrora abastecia a região com cereais e produtos hortícolas. O vale é atravessado por alguns ribeiros e onde havia moinhos de cereais que tiveram grande importância no século XVII. Era também nestes ribeiros que as lavadeiras vinham lavar a roupa das freguesas.

No Vale de Quebrantões podemos avistar mais uma quintas, nem todas em bom estado, e algumas das quais remontam ao século XIV: a Quinta de Santo António do Prado, Quinta da Bajanca, Quinta da Travessa de Azevedo Magalhães, Quinta de Quebrantões e a Quinta de São Salvador, convertida em unidade hoteleira.

Chegados ao Cais de Quebrantões, podemos observar, do lado esquerdo, o Laboratório Edgar Cardoso. Uma torre que foi criada um pouco antes do início dos trabalhos da construção da ponte ferroviária de São João, para servir como laboratório estrutural de experimentação de materiais e de soluções construtivas para a ponte. O Cais de Quebrantões, hoje, é constituído por uma plataforma flutuante que serve para acostagem de grandes navios de cruzeiro que sobem o Douro até Espanha, mas já foi um importante porto mercantil e ponto de passagem para quem transpunha o rio.

Logo acima do cais, é de reparar numa casa bastante antiga (e já muito alterada) com o brasão real. Este é um brasão real datado, muito provavelmente, do fim da monarquia (1834 a 1910). Aqui funcionava a Casa do Registo, antigo entreposto de mercadorias onde eram registados os barcos que subiam e desciam o rio, bem como eram controlados e taxados os bens antes de chegaram ao cais da ribeira de Gaia e do Porto. Conta-se ainda que terá sido este local que serviu de passagem ao exército anglo-luso no desembarque e libertação da cidade do Porto aquando das Invasões Francesas.


Ponte de São João
Ponte de São João

É aqui, no Cais de Quebrantões que encontramos a Ponte Ferroviária de São João, projectada pelo engenheiro Edgar Cardoso e inaugurada em 1991, com a finalidade de substituir a velhinha Ponte D. Maria Pia. A ponte tem 1140 metros de comprimento e a sua construção revelou-se inovadora por ter sido adoptada uma solução em pórtico, apoiado em dois pilares fundados no leito do rio. Actualmente, este método de construção de pontes é considerado padrão de construção a nível mundial. Como curiosidade, fique a saber que os seus pilares são ocos e tem elevadores que permitem inspeccionar toda a sua estrutura.


Ponte D. Maria Pia
Ponte D. Maria Pia

Imediatamente a seguir, passamos por baixo de um dos ícones das cidades do Porto e de Vila Nova de Gaia e monumento nacional desde 1982, a Ponte D. Maria Pia. Assim chamada em honra de Maria Pia de Sabóia, rainha de Portugal pelo seu casamento com o rei D. Luiz I. A Ponte D. Maria Pia é uma ponte metálica da autoria de Gustave Eiffel, e é datada de 1878. Com o seu tabuleiro com 354 metros de comprimento, esta foi a primeira ponte ferroviária a unir as duas margens do rio Douro, tendo sido empregues métodos revolucionários para a construção do seu vão, o maior da sua época. Após 114 anos de funcionamento, a ponte foi considerada obsoleta, tendo sido encerrada em 1991 e substituída pela Ponte de São João, localizada uns metros ao lado.

É a partir daqui que entramos na zona da escarpa da serra do Pilar, uma zona, também ela, recentemente alvo de uma intervenção com vista à sua consolidação e requalificação urbanística. É uma zona muito aprazível com vistas sobre o rio e para as Fontaínhas e Guindais, na cidade do Porto.

Ainda referência para mais uma quinta: a Quinta do Vale da Glória, um edifício amarelado, localizado num alto, entre a Ponte D. Maria Pia e a Ponte do Infante D. Henrique. A Quinta, em avançado estado de degradação, destaca-se pela sua posição com vista privilegiada sobre o rio Douro e pela presença de uma mina cavada no granito, denominada “Fonte da Gruta”. Em tempos, a água desta fonte chegou a ser comercializada como “Água da Gruta”.


Ponte do Infante
Ponte do Infante

Continuando o nosso percurso pela margem esquerda do rio Douro, vamos passar por baixo da Ponte do Infante D. Henrique. Desenhada por Fernández Ordóñez e Adão da Fonseca, a ponte inaugurada em 2003, foi batizada em honrado Infante D. Henrique, nascido no Porto. Localizada a montante da Ponte Luiz I, e com um comprimento de 371 metros, a Ponte do Infante D. Henrique, liga as Fontainhas, no Porto, à serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia. A Ponte do Infante foi construída para o trânsito rodoviário desviado do tabuleiro superior da Ponte Luiz I, convertido para uso exclusivo do metro.

Poucos metros a seguir à Ponte do Infante temos o Cais de São Nicolau, também conhecido como Cais da Escarpa. O Cais de S. Nicolau está situado no sopé da escarpa da serra do Pilar e no passado serviu de apoio a uma antiga fábrica de cerâmica que ali existiu.


Capela do Senhor d’Além
Capela do Senhor d’Além

Logo mais à frente encontramos a escadaria de acesso à recém recuperada (e já vandalizada com graffitis) capela do Senhor d’Além. Este edifício religioso encontrava-se há muitos anos em avançado estado de degradação e foi alvo de uma profunda recuperação.

A capela do Senhor d’Além é um templo do século XVI. No entanto, a capela foi edificada no lugar de uma antiga ermida medieval do século XII, consagrada a Jesus Cristo Crucificado. O templo havia sido reconstruido no século XIX e teve o seu momento áureo durante o século XVIII, beneficiando da proximidade do Hospício Carmelita. A festa em honra do Senhor d’Além realizava-se com uma procissão em barcos pelo rio Douro. Apesar da sua envolvente (ainda) não ser muito cativante, a capela tem uma excelente varanda sobre o rio com vista para a Ponte Luiz I.

Após a capela a rua começa a subir e a estreitar. Assim que possível, vira-se à esquerda pela rua do Casino da Ponte. A partir daqui, é sempre a subir até chegarmos ao tabuleiro superior da Ponte Luiz I, bem junto ao novo Hotel Vincci Ponte de Ferro, que ocupa o edifício do antigo Casino da Ponte e outros contíguos, antigamente utilizados como armazéns de uma cave vitivinícola.


Cais de São Nicolau e a Ponte Luiz I
Cais de São Nicolau e a Ponte Luiz I

A Ponte Luiz I, ex-libris da cidade do Porto, foi projectada pelo engenheiro Théophile Seyrig, discípulo de Gustave Eiffel, daí as semelhanças com a Ponte Maria Pia. A Ponte Luiz I foi uma das obras de maior envergadura do plano rodoviário, realizado pelo monarca Luiz I, permitindo a passagem da estrada real vinda de Lisboa até ao norte do país. A ponte tinha um sistema de portagens que funcionou até 1944.

Inaugurada em 1886 (o tabuleiro superior, pois o inferior só viria a ser concluído no ano seguinte), a ponte com o comprimento de 395 metros, apresenta dois tabuleiros e um arco de ferro com 172 metros de corda.

Pode aproveitar as vistas do tabuleiro superior da Ponte Luiz I para descansar um pouco, mas não se esqueça que é preciso fazer o caminho de regresso.

Este percurso ribeirinho do Douro, para já com sete quilómetros, é um caminho pedonal com uma localização privilegiada, encaixado entre o rio e os muros que limitam as muitas quintas aqui existentes. Este é um trajecto praticamente plano, sem grandes dificuldades, muito mais calmo que o seu vizinho da outra margem, os Passadiços de Gramido, em Gondomar. Com uma beleza única, este percurso ribeirinho ao Douro é refrescante e reconfortante, bom para um passeio de fim de semana (em família) para recarregar baterias. A recuperação desta zona ribeirinha, para além de revelar um importante património, trouxe-nos um importante corredor ecológico de protecção ambiental das espécies aqui existentes bem como do próprio rio Douro.


Percurso Areinho de Avintes – Ponte Luiz I (Gaia)

Percurso linear de aproximadamente sete quilómetros (14 ida e volta) junto ao rio Douro. Este percurso pode fazer-se durante todo o ano, no entanto, por passar por duas praias fluviais, nos dias mais quentes de Verão há que contar com muita gente e pode ser particularmente difícil encontrar lugar para estacionar o carro (Areinho de Avintes).

Ponto de partida/chegada: Areinho de Avintes (onde há estacionamento) ou Ponte Luiz I, em Vila Nova de Gaia.

Duração: cerca de três horas ida e volta.

Grau de dificuldade: Baixo (1 numa escala 1-5).

Recomendações: Mesmo tratando-se de um percurso plano e de baixa dificuldade, tenha sempre em atenção a sua forma física. Tente informar-se com antecedência do estado do terreno. Use roupas leves e calçado confortável (de acordo com a estação do ano). Sempre que possível, não vá sozinho, avise sempre um familiar ou um amigo para onde vai. Em dias de sol quente, use protector solar e leve água consigo. Principalmente de Inverno, tome atenção às horas para não ter que caminhar no escuro (apesar de praticamente todo o trajecto ter iluminação pública, leve sempre uma lanterna). Não deixe lixo e, se vir algum, tente levá-lo consigo sempre que possível. Não faça barulho, respeite a natureza, relaxe e desfrute, vai ver que não há melhor actividade física.


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