Confesso que nunca tinha ido a Mora e, para mim, este não seria um destino óbvio, não fosse o seu Fluviário. É verdade, fui a Mora por causa do seu ex-libris, mas descobri que a vila (e o concelho) tem outros encantos e muito mais para oferecer ao visitante.
Mora é uma vila localizada na planície alentejana, no distrito de Évora, e é servida pela EN2, que atravessa a vila. Como tantas outras localidades alentejanas, Mora brinda-nos com as suas casas caiadas de branco e amarelo (a cal branca protege as casas do calor do Verão e da humidade durante o Inverno) e por aqui reinam a tranquilidade e a calmaria próprias do Alentejo.
Para além das bonitas paisagens onde o sobreiro, a azinheira e o olival dominam, Mora é um concelho com um enorme património megalítico, nomeadamente muitas antas bem preservadas. O Alentejo é uma região com imensos monumentos megalíticos – antas, sepulturas, menires e cromeleques –, estando contabilizados mais de um milhar de registos, e é em Mora que se encontra o único museu em território nacional alusivo ao tema – o Museu Interactivo do Megalitismo, sem dúvida um dos pontos altos da visita a esta pacata localidade.
As origens de Mora
Não se sabe ao certo quais as origens de Mora. No entanto, existem vestígios arqueológicos da ocupação humana deste território desde a Pré-História.
Embora não haja documentação que o comprove, alguns historiadores apontam o Largo do Calvário como o ponto originário para o aparecimento e desenvolvimento da povoação. Não será de todo descabido, já que a zona é contígua ao actual centro histórico, onde as ruas são mais estreitas e onde se nota que as habitações são mais antigas (embora muitas delas estejam recuperadas).
A história de Mora
O território onde hoje se situa a vila de Mora pertencia, no século XII, ao castelo de Coruche, o qual foi doado, em 1176, por D. Afonso Henriques, aos chamados Freires de Évora, ou Milícias de Évora. Em 1211, o território é doado à Ordem de Calatrava (posteriormente Ordem de Aviz), que incentivou o povoamento da região. O nome de Mora apenas surgirá no século XIII, num documento – “Livro III das Composições” – em que se faz referência a uma herdade chamada “Cabeça de Mora”. Pensa-se que é a partir daqui que se dá a implantação do povoado. Mora aparece ainda referida em alguns documentos do século XVI, relativos ao povoamento do Alentejo. Mora viria a receber Foral de D. Manuel I, em 1519.
A origem do nome
O termo Mora está relacionado com altura ou parte elevada. Está ainda conotado com amora ou amoreira (a árvore).
O topónimo Mora é muito frequente na Península Ibérica, normalmente associado aos Mouros. Nas Astúrias significa local pedregoso ou morro.
Daqui pode-se depreender que o nome de Mora deriva de um monte pouco elevado o que coincide com a referência à herdade “Cabeça de Mora”.
O que visitar em Mora
O centro urbano de Mora desenvolve-se a partir do Largo do Conselheiro Fernando de Sousa, onde fica a matriz, o Terreiro da Misericórdia, estendendo-se depois pela Rua do Município e pela Rua da estação.
Passeie pelas ruas da vila com o seu casario branco e amarelo e admire a imponente Torre do Relógio no centro da vila, que aquando da minha visita estava entaipada por se encontrar em obras de restauro (aliás, não foi o único monumento assim ao longo dos dias que andei pelo Alentejo…). A Torre faz parte de um edifício do século XVI e que, em tempos, serviu de Paços do Concelho. Em frente, fica a matriz, a igreja de Nossa Senhora da Graça, datada de 1570. No seu interior pode-se observar uma pia baptismal dos finais do século XVI. Ao que parece esta igreja veio substituir uma outra, mais pequena e dedicada a Santa Maria, talvez do século XIV, e que terá pertencido à Ordem de Aviz.
Ainda no mesmo largo, uma referência para a farmácia Falcão que parece existir naquele largo desde o ano de 1890.
Mesmo ali ao lado fica a igreja da Misericórdia, um templo de construção quinhentista. A igreja ostenta um dos sinos mais antigos do país, do século XIV, originário do Convento de São Bento de Castris, em Évora. Ao longo dos anos a igreja sofreu grandes alterações estruturais. Em 1936 foi erguida uma torre que veio substituir o campanário existente e, mais tarde, em 1942, esta torre foi demolida e construída a actual, mais alta que a anterior.
Já perto dos limites da vila está a pequena ermida de Santo António, uma construção do século XVII, de aspecto bastante simples mas com um interior bastante rico a nível arquitectónico.
No centro da vila de Mora, aproveitando o antigo edifício da estação ferroviária, edificado na primeira metade do século XX e entretanto remodelado e aumentado, está o Museu Interactivo do Megalitismo de Mora – o único museu em território nacional dedicado ao tema. O Museu foi inaugurado em 2016 para valorização do vasto património megalítico existente no concelho. Sem dúvida, um dos locais imperdíveis numa visita a Mora. Um espaço diferente que complementa a visita à vila e ajuda a perceber a importante herança de monumentos megalíticos em terras alentejanas.
O Museu surpreende o visitante pela sua concepção original, com uma estrutura em madeira que tenta reproduzir a morfologia do terreno daquela altura e onde são expostas as peças como se de grutas se tratassem. Uma ideia original e bem conseguida que cativa quem visita o Museu.
O espaço museológico integra três áreas representativas do quotidiano das populações: a Vida, a Morte e a Contemplação. O visitante é acolhido por um filme 3D, visionado no auditório do museu, que retracta a vida de um povoado neolítico. As diferentes mesas interactivas permitem ao visitante aceder a informação sobre as peças expostas, algumas com mais de seis mil anos. Das várias centenas de peças aqui expostas, algumas foram cedidas pelo Museu Nacional de Arqueologia e são provenientes de escavações arqueológicas realizadas no concelho de Mora desde 1914.
A cerca de seis quilómetros do centro da vila, na margem direita da ribeira da Raia, fica o Parque Ecológico do Gameiro onde se situa o ex-libris do concelho – o Fluviário de Mora. O Parque Ecológico do Gameiro é o aproveitamento de um açude e, para além do Fluviário, inclui um bar, parque infantil, parque de merendas, campo de jogos, parque de arborismo, um pequeno parque de campismo, uma praia fluvial fantástica (onde fui a banhos) que, para além de contar com imensas sombras naturais, ainda tem uma série de chapéus de palha gratuitos e um passadiço junto à margem da ribeira – argumentos mais do que suficientes para uns dias de Verão bem passados. O passadiço tem apenas 1,5 quilómetros de extensão ao longo da ribeira, mas está inserido num percurso pedonal circular, com cerca de seis quilómetros, que, depois do passeio ribeirinho, se estende por uma zona de montado, típica paisagem alentejana.
O Fluviário de Mora, inaugurado em 2007, é um aquário dedicado aos ecossistemas de água doce – uma espécie de oceanário para peixes de rio. O Fluviário pretende mostrar a diversidade de espécies nos ambientes das ribeiras, rios e barragens nacionais e, ao mesmo tempo, despertar as consciências para as ameaças que pairam sobre estes ecossistemas e seus habitantes. Uma “viagem” bastante interessante e didáctica para os mais novos e, também, para os menos novos.
Ao longo da visita ao Fluviário de Mora ficará a conhecer algumas das espécies que povoam os rios nacionais da nascente até à foz (como o Bordalo, o Cumba, o Esturjão, o Saramugo – espécies em perigo, e outras como a Carpa ou a Enguia). Ficará a conhecer espécies da Península Ibérica, da bacia do rio Amazonas (na América do Sul) e dos grandes lagos africanos do Vale do Rift (no Quénia). Espaço ainda para as lontras (num espaço próprio no exterior do edifício) e para as espécies exóticas e alguns répteis e anfíbios.
O Fluviário de Mora é o primeiro aquário da Europa dedicado aos ecossistemas de água doce (e o terceiro no Mundo…). É um espaço moderno, muito agradável e didáctico que recomendo – mais um local imperdível numa visita a Mora…
Mora, o concelho mais a norte do distrito de Évora, revelou-se uma terra com muitos pontos de interesse, uma verdadeira surpresa. Destaque para o Fluviário (o primeiro da Europa) e para o Museu Interactivo do Magalitismo (o primeiro em território nacional), expoentes máximos da força e do querer desta gente e da importância de se entender e preservar o meio ambiente e a história da região. Eu fiquei encantado com a vila, com o seu casario e com os espaços verdes. Certamente que este será um local a voltar.
Ali perto…
Seguindo pela EN2, em direcção a Montemor-o-Novo, a cerca de dez quilómetros de Mora, fica a aldeia de Brotas com as suas casas azuis e brancas. Aldeia pequena mas de grande beleza, o destaque vai para o Santuário de Nossa Senhora de Brotas, em memória de uma aparição milagrosa a um pastor que viu uma das suas vacas cair numa cova funda e partir uma pata que seria necessário cortar, e a possível morte do animal. Desesperado, o pastor rogou ajuda à Virgem. Quando cortava a pata à vaca, apareceu-lhe Nossa Senhora que lhe prometeu ajuda caso ali se construísse uma capela. A vaca não morreu e ficou sã, e da pata cortada ao animal talhou-se a imagem de Nossa Senhora de Brotas. A imagem não tem um braço pois dele veio a pata renascida da vaca.
A ermida original foi construída em 1424, altura que se inicia a veneração à Virgem Maria. A ermida foi sendo sucessivamente ampliada à medida do crescimento do culto transformando-se no actual Santuário. Um edifício bonito e bem cuidado, com interior rico em azulejaria.
Ao lado da igreja fica um fontanário datado de 1699 e a emoldurar o santuário temos duas fileiras de casas, as chamadas Casas da Confraria. Estas pertenciam a diversas confrarias e serviam para dar pernoita e descanso aos peregrinos vindos de diversos pontos do país. Hoje, estas casas foram transformadas em alojamentos de turismo rural, Casas de Romaria, onde se pode dormir em casas com mais de 500 anos.
Não muito longe de Brotas fica a antiga vila das Águias, onde pode ver a imponente Torre das Águias, monumento nacional desde 1910. Águias era sede de concelho no século XVI mas foi perdendo a sua influência à medida que Brotas se foi tornando uma povoação mais importante. A Torre é um edifício em estilo manuelino com cerca de 20 metros de altura e começou a ser construída em 1520, durante o reinado de D. Manuel I. Era utilizada pelos fidalgos para repouso depois das caçadas de grande montaria na região. Para lá do casario em ruínas que rodeia a Torre, pode observar também a Ermida de São Sebastião, um edifício do século XVII, edificado sobre as ruínas de um templo anterior dedicado a São Pedro. A Torre das Águias, apesar de classificada como monumento nacional, encontra-se abandonada e em adiantado estado de degradação.
Nos arredores da vila de Mora, a cerca de cinco quilómetros seguindo pela EN 251, em direcção a Pavia, fica o Cromeleque das Fontainhas. Um magnífico monumento megalítico com cerca de 6000 anos, composto por seis monólitos ainda de pé. Embora em terrenos privados, o Cromeleque é de fácil acesso, por estrada de terra batida, ficando a cerca de 200 metros da estrada nacional.
Continuando a EN 251 por mais dez quilómetros, chegará a Pavia, a povoação mais antiga do concelho de Mora. Território povoado desde a Pré-História, Pavia conta com cerca de 200 monumentos megalíticos, com destaque para a Anta-Capela de S. Dinis. Esta é uma das maiores antas da Península Ibérica, monumento nacional desde 1910. É um monumento megalítico funerário de grandes dimensões e, infelizmente, transformado em templo católico durante o século XVII. Trata-se de um grande dólmen de corredor, do qual resta apenas a câmara megalítica. A Anta-Capela de São Dinis é um caso único de um dólmen situado em pleno contexto urbano, foi erguida entre o IV milénio a.C. e o III milénio a.C. É um monumento algo curioso mas, na minha opinião, uma deformação desnecessária e infeliz de uma importante memória que estava ali há, praticamente, seis mil anos.
Pavia conserva um importante património arquitectónico, por isso visite a igreja Matriz (século XVI) dedicada a São Paulo, com doze pilares decorados na sua nave principal e que terá substituído uma outra dedicada a Santa Maria, do século XIV; a igreja da Misericórdia, provavelmente um templo quinhentista, remodelado no século XVII; a ermida de Santo António, templo do século XVII com pintura mural representando os milagres de Santo António; a Torre do Relógio (século XVI); a Fonte da Vila (do século XVI); a Casa-Museu Manuel Ribeiro de Pavia, que reúne o espólio artístico do pintor; e a casa onde viveu Fernando Namora que se inspirou na vila alentejana para escrever “O Trigo e o Joio”.
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