Castelo de Vide é daqueles locais onde chegamos e já nos sentimos como se fossemos dali. Chegamos e sentimo-nos em casa. Esta é uma das vilas mais bonitas de Portugal. Castelo de Vide respira natureza e harmonia. O seu casario branco apazigua-nos o espírito, as suas ruas estreitas com tantos pormenores despertam-nos os sentidos e os seus jardins e o verde envolvente libertam-nos a alma.
Castelo de Vide respira história por (quase) todas as suas ruas e praças. A vila está repleta de História e de histórias. O seu castelo, a judiaria, as casas apalaçadas, as igrejas e capelas, as fontes, e até a água, tudo aqui tem uma história. Desde a pré-história (Neolítico), passando pelos tempos medievais, e até à nossa mais recente liberdade, Castelo de Vide conheceu e viveu tudo isso.
O território terá sido conquistado aos Mouros em 1148 e começou por chamar-se Vide. Terá sido com a construção do seu castelo, no reinado de D. Dinis, que viu a sua denominação alterar-se para Castelo de Vide.
A vila fazia parte da linha defensiva da fronteira e sofreu, em 1704, as investidas espanholas e, mais tarde, as invasões francesas, em 1801. Mas, depois, Castelo de Vide terá vivido um longo período de paz, sendo esse um dos motivos porque que ainda hoje se mantém quase como era naquele tempo. Dentro da zona das muralhas defensivas da vila tudo parece igual ao que foi construído nos séculos XV e XVI.
A zona histórica da vila é composta por ruas estreitas e, junto ao castelo, bastante íngremes. Mesmo ao lado do castelo temos a judiaria – um dos exemplos mais importantes da presença dos judeus no nosso país, remontando ao século XIII. De notar as inúmeras portas em ogiva (que, segundo li, algures, é o mais importante e o maior conjunto existente actualmente no nosso país). Hoje, a vila já não “cabe” dentro das muralhas exteriores da fortaleza. Com o crescimento da população a urbe viu-se obriga a crescer extra muros.
Castelo de Vide, que D. Pedro V apelidou de “Sintra do Alentejo”, sempre foi conhecida pela sua beleza e pelas suas riquezas naturais, nomeadamente pelas suas águas termais (recomendadas para o estomago, reumatismo e doenças de pele). Uma das primeiras referências às suas águas data de 1706, referindo-se à Fonte da Vila. No entanto, as suas características terapêuticas só foram reconhecidas já no século XX (1918). Em 1940 iniciou-se a construção do balneário a cerca de 20 metros da Fonte da Vila, tendo, na altura, todo o seu caudal sido desviado para o complexo termal. As Termas de Castelo de Vide, um edifício típico da arquitectura do Estado Novo, ficaram concluídas em 1942, tendo funcionado até ao início da década de 90. Entretanto o edifício esteve (meio) abandonado e foi recentemente recuperado.
Na zona da vila existem várias nascentes e pode encontrar várias fontes sendo as mais conhecidas a Fonte da Vila e a Fonte da Mealhada. É aqui, mesmo ao lado desta fonte, que se capta e engarrafa uma das águas minerais naturais mais conhecidas do país, a Vitalis.
Terra que deu várias individualidades e nomes sonantes à vida cultural, social e política do país, Castelo de Vide conta ilustres filhos da terra: Garcia de Orta (1501-1568), médico e autor pioneiro sobre botânica, farmacologia, medicina tropical e antropologia; Mouzinho da Silveira (1780-1849), estadista, jurista e político; Frederico Laranjo (1846-1910), jurista, economista, professor universitário e político; Ventura Porfírio (1908-1998), pintor; e Salgueiro Maia (1944-1992), militar e um dos capitães de Abril.
Castelo de Vide tem muito para ver. Para além do seu castelo e da Judiaria, dê uma volta pelas das suas ruas estreitas, pelos seus jardins e pelas suas igrejas e capelas, consta que serão mais de duas dezenas… A vila está repleta de edifícios interessantes e com história, casas apalaçadas e brasonadas: a casa onde viveu Mouzinho da Silveira, com as armas da família; a casa do Arçário, onde se guardava a arca com as cobranças dos impostos que eram cobrados aos judeus; a Casa de Matos (século XIII), uma das mais antigas famílias de Portugal, onde se diz que D. Dinis acolheu os emissários de Aragão para autenticar o contrato de casamento com a princesa de Aragão, D. Isabel, mais tarde a Rainha Santa; O edifício da Câmara Municipal (século XVI); a Casa Amarela, ou Casa Magessi, edifício barroco do século XVIII, com as suas janelas envoltas em lindíssimas molduras de granito e cunhais ornamentados, hoje convertida em alojamento local; a Casa Antiga (século XVIII), com enorme frontaria em granito, que crê-se tenha pertencido a famílias vindas de Trás-os-Montes e onde terá nascido Mouzinho da Silveira; ou a Casa Korrodi de estilo art nouveau.
Mas vamos dar uma volta pela vila.
O Castelo
O castelo medieval foi construído entre os séculos XIII e XIV. A fortaleza terá começado a ser edificada devido ao conflito entre os dois herdeiros de D. Afonso III, D. Dinis e D. Afonso Sanches. Em 1273, D. Afonso III doou Vide a D. Afonso Sanches que, na altura, já era Senhor de Portalegre e Marvão. Em 1279, dá-se a morte de D. Afonso III e, apesar da contestação de seu irmão, D. Dinis sobe ao trono. A subida ao trono do seu irmão despoletou a revolta de D. Afonso Sanches que ordenou o início fortificação da vila. Desagradado com a atitude do irmão, D. Dinis cerca a vila (em 1281), ordenando o irmão a destruir as construções já realizadas (na altura, diversos panos de muralha e uma torre). O conflito só terá sido tranquilizado com a chegada de uma comitiva de Aragão com uma proposta de casamento entre D. Dinis e D. Isabel de Aragão.
Quando, em 1312, D. Afonso Sanches morre, D. Dinis toma posse da vila e ordena novas obras no castelo, com a sua conclusão em 1327, já no reinado de D. Afonso IV (conforme inscrição na Porta da Vila). Logo em 1372, D. Afonso IV doa o castelo à Ordem de Cristo, em troca por Castro Marim. A Ordem seria responsável por defender o território, manter as linhas de fronteira e repovoar e administrar o território.
Da construção medieval destaca-se a grande torre de menagem, que após uma explosão (1705) ficou destruída e toda a fortaleza foi alvo de uma intervenção; alguns panos de muralha; a Porta da Vila; a Porta de São Pedro; e a Porta de São João (século XIV). Com as intervenções realizadas no castelo depois da explosão, foi instalada a Porta da Aramenha – umas das portas da cidade romana de Ammaia (a poucos quilómetros de distância, em São Salvador da Aramenha, Marvão, de que falarei num outro texto), que foi desmontada e transferida para Castelo de Vide (1710). A Porta da Aramenha foi a principal entrada na fortaleza durante cerca de 180 anos, tendo sido destruída em 1891.
Classificado como monumento nacional desde 1910, o castelo encontra-se em obras, já que o seu estado de conservação não é dos melhores. Segundo me informaram, vão instalar um museu dedicado a Salgueiro Maia dentro das muralhas do castelo.
A Judiaria
Castelo de Vide possuiu uma importante comunidade judaica e integra a Rede de Judiarias de Portugal. A sua judiaria está instalada num declive íngreme de uma das encostas do castelo, entre a Porta da Vila e a Fonte da Vila. Esta é uma das melhor preservadas judiarias do país.
A judiaria alcançou o seu apogeu no século XV, após a expulsão dos judeus de Espanha. Em 1492, os Reis Católicos, Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão promulgaram o Édito de Expulsão, ordenando a expulsão ou a conversão forçada da população judaica de Castela e Aragão. Devido à proximidade de Castelo de Vide com Castela, houve uma grande deslocação de famílias judias que, na altura, procuraram paz e abrigo deste lado da fronteira. Milhares de judeus atravessaram a fronteira, tendo D. João II permitido a entrada dos refugiados e nomeado locais onde poderiam ser integrados (Olivença, Arronches, Figueira de Castelo Rodrigo, Bragança e Melgaço). No entanto, uma parcela considerável de famílias judaicas fixou-se na raia. Esta decisão de ficar a viver em povoações fronteiriças, como Castelo de Vide, justificava-se pela esperança de que o decreto de expulsão fosse revogado, possibilitando assim o regresso a Espanha. A documentação da altura não permite definir com precisão o número de judeus que atravessaram a fronteira, mas estima-se que seriam perto de 100 mil.
Datará desta altura o desenvolvimento do comércio e das manufacturas que veio a caracterizar, posteriormente, Castelo de Vide. Aqui residiu a família de Garcia de Orta, que para além de médico foi escritor pioneiro sobre botânica, farmacologia, medicina tropical e antropologia.
No cruzamento da Rua da Judiaria com a Rua da Fonte, fica o edifício identificado como a Sinagoga Medieval.
A Sinagoga de Castelo de Vide é um edifício modesto que, por fora, é idêntico às restantes casas da Judiaria. Este edifício, que se julga ter sido a Sinagoga original foi transformado em museu. Infelizmente, quando por lá passei estava encerrado.
O museu inclui as duas salas da antiga Sinagoga, numa reuniam-se os homens da comunidade e, na outra sala, juntavam-se os membros do sexo feminino, enquanto decorriam as leituras dos textos sagrados. No compartimento destinado ao culto está o Tabernáculo de madeira (que só foi descoberto nos anos 70 do século passado, quando se procedia ao arranjo das paredes do edifício) e uma pequena arca sagrada onde se guardam os rolos da Torá. O restante espaço do museu exibe peças sobre a história da comunidade judaica em Castelo de Vide. No século XVIII o edifício viria a sofrer obras de adaptação para uso residencial e, só em 1972, foi reconstruído respeitando a sua traça original e devolvido ao seu anterior uso.
A Fonte da Vila
Muitas são as fontes que embelezam a vila, mas o ex-libris de Castelo de Vide é a Fonte da Vila, datada do século XVI. Um monumento que se destaca, não só pelo seu valor artístico, mas também pelo conjunto arquitectónico e urbanístico em que está inserido. Situada no centro de um largo, toda a malha urbana envolvente parece derivar desta estrutura. A edificação da Fonte da Vila, como a conhecemos hoje, deverá remontar ao reinado de D. João III.
A Fonte apresenta uma forma rectangular com uma cobertura piramidal assente em seis colunas de mármore. No centro do tanque ergue-se um bloco esculpido com duas figuras e dois brasões (o nacional e o da vila), de onde saem quatro bicas. Ao lado existe um outro tanque destinado aos animais. A Fonte da Vila está classificada como imóvel de interesse público desde 1953.
Espalhadas pela vila existem outras fontes dignas de uma visita. Destaco a Fonte da Mealhada, uma das mais imponentes, com um enorme alçado em cantaria, encimado por uma cruz e um medalhão com as armas da vila. Das suas quatro bicas em forma de cabeça de leão, jorra água da mesma nascente das águas Vitalis. Dizem os populares que quem bebe da água desta fonte há-de voltar a Castelo de Vide para aqui casar. Não deixe de visitar a Fonte do Martinho, em granito, cuja água brota de quatro bicas de mármore em figura de golfinho; a Fonte do Ourives, logo à saída da Matriz; e a Fonte do Monfortinho encimada por uma figura empunhando um tridente. Como facilmente se pode constatar, os motivos aquáticos estão sempre presentes nos fontanários da vila.
A Igreja Matriz
A igreja matriz de Castelo de Vide é, provavelmente, o maior templo do Alto Alentejo. A igreja actual terá sido edificada no local onde, outrora, existira um outro templo (que terá sido mandado destruir pelo Bispo de Portalegre, em 1749, por este se encontrar em avançado estado de degradação) e, a sua construção decorreu entre os anos de 1789 e 1873 – quase um século.
Situada na praça principal da vila (Praça D. Pedro V), a imponente igreja tem o seu orago a Santa Maria da Devesa. De estilo barroco-neoclássico, a sua fachada principal é enquadrada por duas torres sineiras e o portal principal apresenta elementos recuperados do templo anterior. O interior da igreja é majestoso, destacado pela coloração dos mármores e apresenta retábulos em madeira pintada e marmoreados.
A igreja apresenta um importante conjunto de peças de arte sacra. Especial destaque para a escultura de Santa Maria da Devesa, no altar-mor, em pedra policromada.
De realçar ainda a existência de três campas funerárias brasonadas. Em duas destas campas, as pedras já apresentam um grande desgaste, impossibilitando a sua leitura. No entanto, distingue-se o brasão de uma importante família de Castelo de Vide, Mattos (uma árvore ladeada por dois leões), o mesmo brasão que se observa numa das casas da Rua Direita do Castelo. A outra lápide apresenta o brasão da família Carrilho. No coro, existe ainda uma outra lápide brasonada identificada como pertencente a Vasco Martins de Melo, que terá sido alcaide de Castelo de Vide. Ainda no coro da igreja, está instalada uma importante colecção de arte sacra.
No que respeita a templos religiosos, não deixe ainda de visitar a capela do Salvador do Mundo, a mais antiga (finais do século XIII), com o seu interior revestido de painéis de azulejos, e a capela de S. Roque (século XV).
Capela de Nossa Senhora da Penha
Isolada, alicerçada num penedo, no alto do monte, a capela de Nossa Senhora da Penha, é uma construção bastante simples do fim do século XVI, de capela-mor redonda e revestida com azulejos seiscentistas azuis e amarelos.
Dada a sua construção num ponto privilegiado, mesmo em frente ao castelo de Castelo de Vide, este é o miradouro por excelência com melhores vistas sobre a vila e zona envolvente. Daqui, tem-se uma panorâmica global, podendo observar-se o velho burgo medieval em volta do castelo e como a vila foi crescendo e “esticando-se” extra muros.
O caminho para a capela é, por si só, digno de um passeio – como, aliás, muitos outros por estas bandas. Uma estrada municipal que atravessa um bosque luxuriante e repleto de recantos muito interessantes, leva-nos monte acima. Lá no cimo, junto à capela, encontramos um pequeno parque de merendas e um chafariz.
O acesso à capela faz-se por um longo escadório, com vários lances, que termina num pequeno adro com um cruzeiro construído no início do século XX. Mesmo a chegar ao topo da escadaria, não deixe de reparar, do lado esquerdo, numa pequena “cadeirinha” encaixada na rocha. Contam os mais antigos, que quem aqui se sentava dizia um verso: “Cadeirinha de Nossa Senhora, / Cadeirinha do meu bem; / Onde se sentou Nossa Senhora / Sento-me eu também.” Dizem ainda, que quem aqui se sentar, levantar os pés do chão e pedir três desejos - não os pode revelar a ninguém -, esses desejos serão concedidos.
Castelo de Vide, que integra a Rede de Judiarias de Portugal e da Rede de Cidades e Vilas de Excelência, já é conhecia mundialmente. Muitos são os turistas estrangeiros que por aqui encontrei. Não só devido à sua história, e monumentalidade, mas também devido à sua envolvente natural, ao seu artesanato e à sua gastronomia, a vila mantém-se a(trac)tiva, viva e receptiva aos turistas (nacionais e estrangeiros). Hoje o turismo é um sector importante no desenvolvimento social e económico de Castelo de Vide e, são já várias as unidades hoteleiras e de alojamento local existentes na vila e arredores. Existem alguns restaurantes de referência, como o D. Pedro V (que experimentei e recomendo), A Confraria, a Casa do Parque, ou o Paladar Terrace. Da minha experiência, principalmente ao fim de semana e em períodos de maior afluência, convém reservar mesa com antecedência.
Linha de Terra, nos dias que passou em terras do Alto Alentejo, ficou alojado na Vila Maria, uma unidade de alojamento local com todas as comodidades habituais neste tipo de alojamento. A Vila Maria, para além de estar bem localizada, numa zona calma, mas a poucos metros do centro da vila, dispõe de terraço, jardim e estacionamento (gratuito) dentro da propriedade. Para além dos quartos disponíveis no edifício principal, a Vila Maria dispõe ainda de um apartamento independente.
Na Vila Maria vive-se um ambiente familiar, muito devido à sua anfitriã, a Dona Luísa, que nos recebe principescamente e que nos faz, logo à chegada, sentir em casa. Na altura a recuperar de um problema de saúde, a Dona Luísa mostrou-se uma força da natureza, incansável, cheia de atenções e miminhos com os seus hóspedes.
Na ampla divisão que serve de sala de refeições e de convívio entre as suas visitas – sim, porque ao fim de algum tempo, deixamos de nos sentir uns meros turistas de passagem por Castelo de Vide e passamos a ser visitas da Dona Luísa –, os serões são passados à conversa. Um serão de conversa com a Dona Luísa é uma agradável lição de história, uma lição de vida.
Destaque para o luxuriante pequeno-almoço (que nos alimenta quase para o resto do dia). Já fiquei instalado em vários locais onde fui (quase) sempre bem servido, mas nada que se aproxime da mesa apresentada todas as manhãs na Vila Maria onde, para além do habitual num pequeno-almoço, podemos contar com queijo e pão alentejanos, doces, compotas, bolos, biscoitos, quase tudo feito pela mão da nossa anfitriã. Um luxo!
Portanto, uma estadia muito agradável numa bela propriedade e na companhia encantadora da Dona Luísa. Recomendo!
A Linha de Terra custeou todas as despesas de alojamento, alimentação e deslocações.
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