Hoje venho partilhar convosco um dos meus trilhos favoritos e um dos mais emblemáticos e dos mais bonitos do nosso país: o trilho das Fisgas de Ermelo, em Mondim de Basto.
Eu sou suspeito para falar deste trilho, pois já o fiz três vezes – ainda bem que não moro ali perto… –, e considero-o um dos trilhos mais bonitos do nosso país e um dos melhores para quem gosta de Natureza, de caminhar, de dar uns mergulhos (como eu…) e ainda de poder conhecer aldeias ancestrais.
Inserido no Parque Natural do Alvão, encaixado entre os concelhos de Mondim de Basto e de Vila Real, ao percorrer este trilho podemos admirar as magníficas Fisgas de Ermelo, onde o rio Olo vence um desnível de cerca de 200 metros, onde se formam fantásticas quedas de água e apetecíveis lagoas (aqui chamam-lhes Piocas) de água transparente. Aqui, nas famosas Fisgas de Ermelo, a água do rio Olo despenha-se por entre rochas com 480 milhões de anos onde, dizem os entendidos, estão guardados fósseis de animais marinhos que remontam à passagem do mar por aqui.
Neste paraíso natural vamos encontrar grandiosas paisagens, com vales muito profundos e rochedos que formam miradouros vertiginosos, aqui e ali, pontuadas por maravilhosas aldeias.
O PR3 de Mondim de Basto, ou o trilho das Fisgas de Ermelo, como normalmente é conhecido, é um dos trilhos mais emblemáticos de Portugal. O trilho é um bocadinho puxado e requer algum esforço, devido à sua extensão e ao desnível acentuado de cerca de 650 metros, pelo que se recomenda uma boa forma física e algum hábito neste tipo de percursos. A serenidade e a beleza dos locais por onde passamos – a cascata das Fisgas de Ermelo, Piocas de Cima, Piocas de Baixo, a aldeia de Ermelo, as vistas da serra... – não só compensam o esforço e a energia gasta, como nos enchem a alma e o coração. Estes são locais inesquecíveis.
Este PR3 de Mondim de Basto - Fisgas de Ermelo, (oficialmente) inicia-se na aldeia de Ermelo, junto à igreja. No entanto, como é um trilho circular, eu prefiro começar no miradouro das Fisgas (no final do texto digo-vos porquê…).
Deixo-vos aqui uma curiosidade: as Fisgas têm o nome de Ermelo devido à importância histórica da aldeia na região mas, na realidade, ficam mais perto da aldeia de Varzigueto, e os habitantes desta aldeia ficam um “bocadinho irados” quando ouvem o nome da aldeia vizinha. Dizem que foram usurpados e que as Fisgas deveriam ter o nome da sua aldeia.
Iniciei este PR3 no parque de estacionamento do miradouro das Fisgas de Ermelo onde se tem uma vista incrível sobre os penhascos. Este miradouro vertiginoso permite-nos observar a queda de água (embora este não seja o melhor lugar) e admirar a profundidade do vale. O miradouro não tem qualquer amparo ou resguardo pelo que é recomendável o máximo de cuidado, não se aproximar demasiado da berma e toda a atenção com as crianças. Não é aconselhado a pessoas com vertigens…
Daqui, segui pela direita (sentido contrário aos ponteiros do relógio), onde temos uma descida acentuada e prolongada em direcção ao rio Olo e com uma passagem pela capela de São José do Fojo, construída durante o século XVIII.
O trajecto faz-se em caminho de terra batida por meio de muitos eucaliptos até ao desvio para as Piocas de Baixo. A descida é longa e os joelhos irão sentir-se, por isso, vá devagar. Já perto do final da descida, há um desvio devidamente sinalizado – aliás, todo o percurso está muito bem sinalizado e limpo –, para ir visitar as Piocas de Baixo e aí tomar um banho.
O desvio do trilho até às Piocas de Baixo serão uns 400 a 500 metros (para cada lado) e garanto-vos que vale a pena, pois o local é fantástico e de enorme beleza. Aqui vamos encontrar umas lagoas naturais (Piocas) mesmo a pedir um banho. Estas autênticas piscinas naturais encontram-se enquadradas por uma vegetação luxuriante e por uma pequena queda de água. É um local de grande beleza natural. Eu fiz o trilho de manhã e, apesar do calor, apenas encontrei um casal nas Piocas de Baixo. Casal que viria a encontrar, mais tarde, nas imediações das Piocas de Cima.
Depois de um banho nas Piocas de Baixo e de explorar um pouco a margem do rio era necessário regressar ao trilho. Daqui ate à aldeia de Ermelo são cerca de 30 a 40 minutos. Vamos continuar a descer até atravessarmos uma ponte de madeira que cruza o rio Olo (a ponte da Abelheira). Agora, toca a subir, encosta acima, até ao centro da aldeia de Ermelo.
Ao chegar à rua central de Ermelo, a meio de uma curva, vire à direita em direcção à igreja da aldeia, igreja de São Vicente, de provável construção no século XVII. Oficialmente, o PR3 tem início (recomendado) aqui. Logo à frente da igreja encontra-se o café da aldeia (Sabores do Alvão). Entre e converse um pouco com os habitantes locais. Descanse as pernas, peça uma bebida fresca e abasteça-se de água para o caminho, pois vai precisar...
De volta ao traçado deste PR3, vamos percorrer cerca de 500 metros da rua principal da aldeia, vamos passar pelo Pelourinho e por algumas construções típicas.
Ermelo é uma belíssima aldeia histórica e secular. Foi vila medieval com foral atribuído por D. Sancho I em 1196. Foi sede de concelho entre os séculos XVI e XIX. Hoje, ainda conserva o seu belo casario rural com casas construídas em xisto e com telhados de lousa. Vale a pena espreitar algumas das ruas desta maravilhosa aldeia e admirar as suas construções bem preservadas.
Deixamos a aldeia num pequeno largo repleto de mensagens escritas em pedras de lousa. Seguimos pela esquerda, atravessando um luxuriante souto de castanheiros até atingirmos o fundo do vale onde atravessamos mais uma ponte de madeira, desta vez sobre a ribeira de Fervença.
Aqui, na margem desta agradável ribeira fiz uma pequena pausa para comer e tive a agradável companhia de um pequeno cão que me acompanhou, serra fora, até às Piocas de Cima (onde ficou, junto à água, a confraternizar com outras pessoas…). Este foi o meu único companheiro na subida até às Piocas de Cima.
Após a ribeira de Fervença, iniciamos a longa subida pela serra. Vamos subir dos 340 até aos cerca de 750 metros de altitude. É uma subida dura, longa e sem sombras. É preciso fazê-la com calma, pausadamente e aproveitando a maravilhosa vista. Eu disse que ia precisar de água fresca…
Esta longa subida que começa com um estradão florestal e depois segue por um caminho através da serra com vistas espectaculares. É intercalada por dois pontos de observação onde aproveitei para ganhar algum fôlego para o resto da subida. Primeiro a Lomba do Bulhão onde, para quem inicia o trilho na aldeia de Ermelo, tem uma primeira vista para os desfiladeiros e para a cascata das Fisgas de Ermelo e, lá mais acima, o Alto da Cabeça Grande, já mais próximo da cascata. Vá subindo e vá descansando o corpo e regalando a vista com a magnífica paisagem. Sente-se (eu nunca me sento; quando faço paragens, descanso tentando manter sempre o corpo em movimento com pequenos passos) e escute o silêncio enquanto contempla a grandiosidade da paisagem. Aprecie a paz e a comunhão com a Natureza. Durante a subida poderá encontrar alguns rebanhos de cabras e até algumas vacas maronesas.
Ao lado do miradouro do Alto da Cabeça é possível fazer um desvio e ir tomar um banho nas Piocas. Caso o faça, tenha muito cuidado porque o caminho é algo acidentado. Um pouco mais acima, vai encontrar o desvio para as Piocas de Cima onde se poderá refrescar “à vontade” – refrescar é o termo certo já que a água costuma ser bem fresquinha – nas águas transparentes do rio Olo. Aqui vai encontrar várias pequenas lagoas naturais (umas mais profundas do que outras) e algumas quedas de água. Se for a banhos, tenha cuidado com as pedras molhadas que escorregam bastante.
Aqui, com algum engenho e arte, poderá atravessar o rio e retomar o trilho na outra margem, evitando assim a ida até à aldeia de Varzigueto e poupar cerca de 2,5 quilómetros. No entanto, não recomendo que o faça, a não ser que esteja a ficar tarde e tenha que regressar antes que fique escuro.
O rio Olo nasce em pleno Parque Natural do Alvão, na freguesia de Lamas de Olo, a cerca de 1250 metros de altitude e desagua 43 quilómetros depois, no rio Tâmega, já relativamente perto da cidade de Amarante. O rio Olo tem um desnível entre a sua nascente e a sua foz de 1200 metros, com declives muito acentuados, evoluindo por desníveis e cascatas, onde o maior destaque vai para as Fisgas de Ermelo. Aqui, na zona das Fisgas, o curso do Olo, ao longo de 500 metros, é abruptamente interrompido por um acidente geológico originado por uma falha que é responsável por uma sucessão de quedas de água, num desnível com cerca de 250 metros.
Daqui, segue-se em direcção à aldeia de Varzigueto, seguindo a margem do Olo e passando por um antigo moinho. Na aldeia pode observar a capela de Nossa Senhora da Luz e alguns espigueiros. A seguir à aldeia viramos à esquerda pela estrada de asfalto (aqui também poderá encontrar algum gado maronês), atravessamos a ponte e regressamos em direcção às Piocas de Cima, agora pela outra margem do rio Olo. Aqui, par além de um local bastante aprazível e propício para refrescar o corpo, vai encontrar uma fonte (e um tanque) com água fresca, caso necessite de reabastecer.
Vamos entrar na fase final deste trilho. Segue-se mais uma subida até à zona das Piocas de Cima, onde vale a pena fazer uma paragem para voltar a contemplar este magnífico local. Depois vamos fazer uma passagem pela Cancela do Miradouro com vista para o monte Farinha (941 metros de altitude) e para a ermida da Senhora da Graça, às portas de Mondim de Basto. Segue-se a descida final até ao estacionamento junto ao miradouro das Fisgas de Ermelo. Vamos descer pelo meio de um eucaliptal com alguma inclinação e com bastante pedra solta, por isso é necessária alguma atenção.
No final deste percurso pedestre que circunda as imponentes cascatas das Fisgas de Ermelo, uma das mais altas de Portugal, pode descansar e retemperar forças sentado-se numa das rochas dos vertiginosos penhascos e desfrutar desta vista maravilhosa. A grandiosidade do local, que chega a assustar, com a sua visão impressionante das escarpas quase verticais, requer um momento para apreciar a beleza da natureza e a sua imensidão, em contraste com a pequenez e fragilidade humana. O respeito pela imponência do local impõe-se. Como escreveu Miguel Torga, aqui pode encontrar “um misto de espanto e terror” (in Diário VIII).
Das três vezes que fiz este magnífico trilho, apenas da primeira vez iniciei o percurso na aldeia de Ermelo. A explicação é fácil de dar: depois de conhecer o trajecto e saber que, normalmente, há muita gente a tomar banho nas Piocas de Cima, precisava de encontrar uma alternativa para um mergulho retemperador antes do regresso a casa. Foi assim que descobri as Piscinas Naturais do rio Cabrão, na aldeia de Pioledo, que já mereceram um Hot Spot aqui no blog (ver aqui), a menos de dez minutos de carro. Um pequeno paraíso sem viva alma… Não contem a ninguém.
Características do trilho
PR3 MDB - Fisgas de Ermelo
Trilho circular de aproximadamente 12 400 metros (eu fiz 16 800 metros).
Pontos de partida/chegada: Ermelo, miradouro das Fisgas de Ermelo, ou Varzigueto
Pontos de interesse: aldeia de Ermelo, aldeia de Varzigueto, Fisgas de Ermelo, miradouro das Fisgas de Ermelo, Piocas de Cima, Piocas de Baixo, rio Olo, Alto da Cabeça Grande, paisagem natural ao longo do percurso.
Duração: 4 a 5 horas
Altitude máxima: 785 metros
Altitude mínima: 170 metros
Grau de dificuldade: Moderado (3 numa escala 1-5)
O trilho não sendo muito exigente (tem algumas descidas mais acentuadas) torna-se cansativo devido ao sobe e desce e à sua extensão, exigindo alguma forma física. O trilho tem uma grande parte que é bastante exposto pelo que é aconselhável o uso de chapéu e protector solar (para aplicar várias vezes durante a caminhada).
Este trilho pode fazer-se todo o ano, embora eu desaconselhe o Inverno e dias muito quentes de Verão. A melhor altura será na Primavera e no Outono porque as cascatas e lagoas estão no seu esplendor.
Leve o lanche na mochila e disponha de um dia inteiro para fazer este trilho, para desfrutar das Piocas, para conhecer a aldeia típica de Ermelo com calma e “saborear” demoradamente esta experiência inesquecível. Percorrer este PR3, ou pelo menos parte dele, é a melhor maneira de admirar a cascata das Fisgas de Ermelo, uma das maiores do nosso país. Este trilho leva-nos a desfrutar de algumas das magníficas paisagens deste paraíso natural que é o Parque Natural do Alvão e conhecer uma das aldeias mais genuínas da região.
Recomendações
Tenha sempre em atenção a sua forma física. Tente informar-se com antecedência do estado do terreno e estude o trilho. Confirme o estado do tempo para o local para onde vai. Não se esqueça que na serra o tempo pode mudar de repente. Use roupas e calçado adequado para este tipo de actividade (e de acordo com a estação do ano). Caminhe sempre nos trilhos marcados, não só por causa do meio ambiente, mas também para sua protecção. Respeite os animais, eles estão no habitat deles, nós é que somos o intruso. Em dias de sol quente, use chapéu e protector solar e leve água consigo. Principalmente de Inverno, tome atenção às horas para não ter que caminhar no escuro (leve sempre uma lanterna). Sempre que possível, não vá sozinho, avise sempre um familiar ou um amigo para onde vai. Não deixe lixo e, se vir algum, tente levá-lo consigo sempre que possível. Não acampe sem ser em locais próprios. Não faça barulho, respeite a natureza, relaxe e desfrute, vai ver que não há melhor actividade física.
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