Cevide é uma pequena aldeia fronteiriça com Espanha, no norte do país, junto ao rio Minho, no concelho de Melgaço. A aldeia é conhecida por ser o lugar mais a norte de Portugal e por isso, leva a que muita gente se desloque até à pequena povoação. Linha de Terra foi conhecer Cevide não só por esse motivo, mas também para cumprimentar o Mário Monteiro e relembrar um momento da minha infância.
Apesar de não constar dos grandes livros e das principais rotas turísticas do Alto Minho, a pequena aldeia de Cevide é uma localidade com grande significado e com bons motivos para uma visita. Cevide é daqueles lugares que não aparentam ter muito para nos oferecer mas, no final, regressamos de alma e coração cheio, com factos históricos importantes e com um monte de histórias para recordar.
Cevide tem um enquadramento fantástico, envolta num luxuriante manto verde e uma zona ribeirinha (quase) intocada e preservada onde apetece estar. A aldeia é o ponto mais a norte do território nacional, por si só motivo suficiente para uma visita. Aldeia fronteiriça, é também em Cevide que se encontra o marco de fronteira número 1 e, apesar de hoje a aldeia (ainda) não ter muito movimento, durante as décadas de 60, 70 e 80 a pequena localidade era bastante agitada graças à emigração ilegal e ao contrabando que tiravam proveito da sua posição geográfica que fazia de Cevide um ponto privilegiado para estas actividades. Cevide é ainda o ponto central do Caminho Minhoto Ribeiro, que liga Braga a Santiago de Compostela.
Cevide, o ponto mais a norte de Portugal
A pequena aldeia de Cevide, é o último reduto da língua portuguesa, o ponto mais a norte de Portugal. Cevide, faz parte da freguesia de Cristóval (concelho de Melgaço), e o seu território faz fronteira com duas províncias de Espanha: Pontevedra e Ourense. A aldeia, onde ainda podemos ver alguns terrenos cultivados, não tem mais do que uma dezena de casas – algumas delas abandonadas – e, actualmente, conta apenas com três habitantes.
A aldeia é um pequeno lugar no declive do vale do rio Minho mas é banhada por outro curso de água, o rio Trancoso, ambos a demarcar a fronteira entre Portugal e Espanha. O rio Trancoso é um afluente do Minho, que nasce perto de Castro Laboreiro, estendendo-se por cerca de 13 quilómetros, definindo em quase todo o seu trajecto a fronteira entre os dois países. A foz do rio Trancoso marca o ponto mais a norte do território português.
Conhecer e escrever sobre Cevide implica falar no Mário Monteiro – o Mário de Cevide, o grande obreiro de colocar a pequena aldeia minhota no mapa. Eu já tinha tido oportunidade de conhecer o Mário aquando do lançamento do livro “Norte com Tradição” (no qual participei com alguns textos e fotografias). Na altura, tivemos oportunidade de trocar algumas palavras e o Mário ao referir-se ao meu trabalho aqui no blog Linha de Terra disse-me “o João já esteve em tantos lugares bonitos e pouco conhecidos, mas não esteve no sítio mais importante de Portugal”. O desafio estava lançado!
Na realidade, devido à sua localização geográfica, Cevide já estava na minha lista de locais a visitar há algum tempo, por isso, ficou acordado que lhe ligaria assim que soubesse que iria visitar Cevide.
Depois de passar pelas imediações de Melgaço, faço uma chamada a avisar o Mário de que estou a chegar. Ele dá-me algumas indicações de onde devo sair da Variante à N202 e diz-me que é fácil chegar à aldeia mais a norte de Portugal.
Assim que se sai da Variante, já perto do antigo posto fronteiriço de São Gregório, a estreita estrada que nos leva até Cevide não tem muito que enganar, pois termina no centro da aldeia, num pequeno largo que, em dias mais concorridos, é pequeno para albergar tantos visitantes.
No largo de Cevide, onde já não há muito espaço para estacionar, sou recebido pelo Mário de braços abertos. Após uma pequena conversa, o meu anfitrião encaminha-me para uma casa antiga, a antiga casa da família, onde já estão mais algumas pessoas que também vieram descobrir Cevide. É aqui que o Mário recebe os visitantes de Cevide quando está na aldeia, um espaço que fez questão de manter e preservar onde, em tempos, foi a mercearia do seu avô com um alvará de 1957 – um espaço típico, muito rústico, a manter a traça original, com pipas de vinho, grandes traves de madeira e paredes e chão de pedra. E que bem que o Mário sabe receber! Enquanto faz uma breve apresentação da sua aldeia e fala do seu empenho para colocar Cevide no mapa, vai abrindo uma garrafa de Alvarinho, uma “colheita própria”, com o nome “Aqui começa Portugal”, produzida pelas Caves Soalheiro. Este é um vinho diferente, um vinho puro, não filtrado, como se faziam os primeiros Alvarinhos, ou seja, sai directamente da barrica para a garrafa, o que torna este néctar sujeito à criação de depósito no fundo da garrafa.
É no pequeno largo da aldeia que encontramos a estátua de homenagem ao contrabandista (da autoria da escultora Madalena Lima) e no chão uma placa com os pontos cardeais que diz “Cevide - Aqui começa Portugal”. Após a recepção, e a prova do Alvarinho, é altura de percorrer a aldeia. O Mário indica o caminho para irmos até ao ponto mais a norte de Portugal com passagem pelo marco de fronteira número 1. O acesso faz-se através de um passadiço que tem início poucos metros após o pequeno largo.
O passadiço leva-nos ao longo de alguns metros por entre uma paisagem idílica, de grande beleza e frescura, quase intocada pelo homem. Sempre acompanhados pela beleza da natureza e pelo som das águas chegamos ao marco de fronteira e, logo mais abaixo, à pequena ponte que nos levará até Espanha. É neste recanto idílico que o rio Trancoso abraça o rio Minho, que corre Galiza abaixo, tocando pela primeira vez em território português. É precisamente na confluência dos dois cursos de água que se situa o ponto mais a norte do território nacional.
Vale a pena atravessar a pequena ponte sobre o Trancoso e, já em terras espanholas, caminhar em direcção ao rio Minho, contornando os grandes penedos, onde existe uma pequena praia fluvial. Um recanto maravilhoso.
Depois de desfrutar deste paraíso natural (de onde não apetece sair), é altura de regressar ao centro da aldeia. Em vez de voltar pelo passadiço, segui pela esquerda, por um caminho entre muros, estreito, inclinado e algo acidentado, o Caminho da Caneija do Contrabando. Era este o caminho utilizado no passado, pela população durante o dia, e para o contrabando e travessia a salto ao abrigo do escuro da noite.
De regresso ao largo da aldeia, é altura de mais uma conversa com o Mário. Conta histórias de contrabando e projectos futuros para dinamizar a aldeia. É nesta altura que lhe confidencio um dos motivos da minha ida a Cevide: um momento da minha infância. Conto-lhe a minha história e os seus olhos brilham. No final abraça-me e comenta que isto está tudo ligado, a minha história, o blog, o facto de nos termos conhecido, a minha ida a Cevide… Nesta vida tudo tem um propósito.
Mas faltava ainda visitar a casa da Guarda Fiscal e a capela da aldeia, a capela mais a norte de Portugal! A singela capela de Santo António é um templo do século XVIII (ou talvez mais antigo), embora no seu exterior registe-se o ano de 1937, correspondendo, provavelmente, ao ano em que foi reconstruida. O Mário de Cevide, agora ocupado a receber um grupo motard que acabara de chegar, confia-me a chave da capela para que possa admirar o seu interior. Juntamente com a chave, põe-me nas mãos um telemóvel e diz para me sentar dentro da capela em silêncio e carregar no play. Já lá dentro, no silêncio da pequena capela, faço o que ele me pediu. Sentado num dos últimos bancos carrego no play e começa-se a ouvir a Ave Maria, de Schubert… Momento sublime!
O interior da capela é muito simples com o altar em madeira e onde se pode observar a ara de granito encostada ao altar – facto pouco comum actualmente, mas que pode ser explicado porque, até finais dos anos 60, as missas eram celebradas com o sacerdote de costas voltadas para o povo. A capela de Santo António foi escolhida pela Real Confraria de São Teotónio enquanto templo capitular da sua obra, que aqui celebra a cerimónia de investidura dos novos confrades. A capela encontra-se ornamentada com bandeiras com as armas das famílias de compõem a confraria.
Um pouco mais abaixo, junto ao rio, fica a antiga casa da Guarda Fiscal (Posto número 451), hoje recuperada e transformada em alojamento local. Na parede da casa, num nicho, é visível uma imagem tosca de um Santo António, esculpida em granito e protegida por uma grade. Aqui, no local onde em tempos existiu uma ponte romana, que foi dinamitada pelos franquistas durante a guerra civil espanhola para impedir a passagem dos republicanos, hoje existe uma pequena travessia (mais ou menos) recente que une as duas margens do rio Trancoso e onde se podem ver as letras P e E. Em tempos, antes da construção desta pequena ponte, era este um dos pontos onde, durante o Verão, quando o rio ia baixo, se atravessava o rio de pedra em pedra para ir a Espanha buscar contrabando, claro que com a conivência do guarda.
Cevide encontra-se abrangida pela rede de percursos pedestres de Melgaço (que conta com mais de uma dúzia de trilhos), existindo um trilho com cerca de 16 quilómetros, que liga a aldeia a Lamas de Mouro, porta de acesso ao Parque Nacional da Peneda-Gerês. Ao que tudo indica, o município de Melgaço tem projectos para a construção de uma ciclovia que permitirá ligar Cevide a Melgaço com cerca de dez quilómetros de extensão. Mais dois bons motivos que levarão muita gente a procurar Cevide.
Como curiosidade, parece que Cevide tem um “hino” não oficial. O cantor e multi-instrumentista de Ponte da Barca, Zezé Fernandes, canta “Aqui começa Portugal”, em homenagem à aldeia de Cevide.
Origens de Cevide
Não encontrei grandes referências às origens de Cevide, no entanto, o povoamento de toda esta região é bastante antigo. Sabemos que os primeiros povoamentos na região de Melgaço remontam ao período do Neolítico. Depois por aqui terão passado os povos Celtas, Romanos, Suevos, Visigodos e Árabes. Existem alguns documentos datados do século XIII, do Mosteiro de Fiães, onde são referenciados alguns locais da actual freguesia de Cristóval. Consta que no século XVIII, inícios do século XIX, o lugar teria o nome de Cevido.
Segundo alguns autores, a origem do topónimo Cevide derivará do lugar espanhol, na outra margem do rio Trancoso: Acivido. Este nome poderá estar relacionado com Acevedo, Aceredo (em espanhol) ou Azevedo (em português). Azevedo, no português antigo, designava um terreno com azevos, ou seja, azevinhos ou arbustos espinhosos.
A fronteira portuguesa e o marco número 1
A fronteira entre Portugal e Espanha tem mais de sete séculos e é a mais antiga e estável fronteira da Europa. Uma linha de fronteira que une mais do que separa.
Considera-se que a primeira demarcação da linha de fronteira foi estabelecida pelo Tratado de Alcanizes, celebrado em 12 de Setembro de 1297, entre o rei de Portugal, D. Dinis, e Fernando IV de Castela.
Nessa altura, os contornos de Portugal já se aproximavam muito dos actuais, mas sabemos que a estabilidade da fronteira então definida foi mais aparente do que real e que, ao longo da História, a linha de fronteira foi sofrendo recuos e avanços. Depois da Reconquista e expulsos os muçulmanos, em finais de quatrocentos, portugueses e espanhóis tornaram-se adversários e, durante séculos, ao longo da raia sucederam-se guerras e escaramuças, o que levou a serem construídos castelos e praças-fortes para protegerem a integridade do território, defender as populações e vigiar a linha de fronteira.
Foi já em meados do século XIX que os governos de Portugal e Espanha acordam em acertar e proceder à demarcação da fronteira entre os dois países, que permanecia algo duvidosa em alguns pontos, motivando alguns conflitos fronteiriços entre as populações. Ao longo de dez anos é preparado o “Tratado de Limites entre Portugal e Espanha”, assinado em Lisboa em 29 de Setembro de 1864, e rectificado em 1865 e em 1866 de forma a proceder-se “à colocação dos marcos necessários e à sua descrição geométrica” bem como as instruções para se efectuar a demarcação da fronteira. Foram necessários 40 anos para levar a cabo a demarcação de fronteira e só em 1906 é assinada a “Acta Geral de Delimitação entre Portugal e Espanha”.
Um marco de fronteira é um marco físico e robusto em forma de paralelepípedo. Normalmente, estes marcos são feitos de pedra ou em betão e são estrategicamente colocados em pontos notórios ou pontos bem visíveis no terreno. Os marcos são numerados, tendo inscrito a letra P na face voltada para Portugal e a letra E na face oposta, voltada para Espanha.
A fronteira luso-espanhola estende-se desde a foz do rio Minho, a norte, até à foz do rio Guadiana, a sul, ao longo de mais de 1300 quilómetros, sendo definida por cursos de água (cerca de 60%) e por mais de 5200 marcos fronteiriços. Como curiosidade aqui fica uma particularidade da nossa fronteira: devido à “disputa” não assumida de Olivença por Portugal e Espanha, naquela região, numa distância aproximada de 60 quilómetros, entre o rio Caia e a ribeira de Cuncos, não foram colocados marcos de fronteira. Inclusivamente, existe uma ponte sobre o Guadiana a ligar os dois países, a nova ponte de Ajuda, que não tem qualquer marco.
A norte de Portugal, a linha de fronteira sempre se manteve ao longo dos 65 quilómetros do curso do rio Minho, de Caminha até Melgaço. É aqui, na confluência do Minho com o Trancoso que a linha divisória dos dois territórios se dirige para sul, e foi precisamente aqui, em Cevide, junto à foz do rio Trancoso que foi colocado o marco de fronteira número 1, “coincidindo” com o ponto mais a norte do território nacional.
O marco número 1 está cravado sobre um grande penedo que se ergue poucos metros acima do rio Trancoso que, nesta altura, tem poucos metros de largura. É uma pedra em forma de paralelepípedo que durante muitos anos esteve escondida – foi o Mário que o encontrou coberto de musgo e de ervas. Este marco, e este local, possuem uma importância e um cariz histórico relevante, pois indicam o local onde começa Portugal.
Do outro lado do Trancoso, sensivelmente à mesma altura, encontra-se um marco idêntico, mas com a letra E gravada. É o marco número 1 de Espanha.
O contrabando
Era já noite cerrada quando chegamos ao local combinado. Estava alguém à nossa espera. Deixámos o carro cá mais em cima para não fazer barulho e vamos descendo o caminho a pé, em silêncio.
Somos uns sete ou oito e caminhamos quase em fila indiana, caminho abaixo. O caminho que ladeia alguns campos de cultivo não é muito largo e está meio encoberto pela vegetação. O escuro da noite não deixa ver muito para além do caminho. Passamos por algumas casas, não muitas, e chegamos à última, poucos metros antes do rio. Fazemos uma brevíssima paragem e o nosso “guia” bate à porta quase sem se ouvir. É a casa do guarda fiscal. Um homem aparece à porta e o nosso “guia” diz-lhe quantos somos e que há duas crianças. O homem observa-nos, acena com a cabeça e volta para dentro. Está tudo em ordem.
Continuamos até à beira rio. É Verão e o rio não leva muita água. Sempre em silêncio atravessamos o rio de pedra em pedra. Estamos em Espanha. Vamos a uma mercearia na aldeia vizinha, não muito longe do rio. No regresso trazemos vários sacos cheios de mercearia, bens essenciais que faltam deste lado da fronteira, ou que são mais em conta do lado espanhol. Tudo para consumo próprio.
Voltamos a atravessar o rio pedra após pedra. Alguém escorrega e acaba por ficar com os pés dentro de água, mas é preciso continuar, sempre em silêncio e sem demoras.
Começamos a subir o caminho de volta ao carro. À passagem pela porta da casa do guarda fiscal, o “nosso homem” bate novamente à porta, a dar sinal de que já vamos de regresso, e deixa um saco à porta da casa. Seguimos ladeira acima, sempre pela sombra do luar e sempre em silêncio.
Existem recordações que nos ficam para sempre gravadas na memória, quer pela situação em si, quer pela adrenalina que nos provocaram. Eu era uma das crianças desta história, não teria mais do que oito ou nove anos de idade e o rio que atravessámos foi o Trancoso.
Regressar a Cevide quase 50 anos depois, recordar alguns destes locais, hoje diferentes e restaurados, e partilhar esta história com o Mário foi um momento único, cheio de emoção e de significado que, certamente, ajudará a manter esta recordação bem presente.
O contrabando de bens e de pessoas era uma forma de subsistência e uma das principais fontes de rendimento das gentes da raia. Fazia-se nos dois sentidos, com cumplicidade das comunidades de ambos os lados da fronteira e, muitas vezes, também com a conivência dos agentes da autoridade responsáveis pela vigilância da fronteira. Todos ficavam a ganhar. Eram momentos de coragem, valentia e astúcia onde nem sempre todos regressavam…
Cevide, devido à sua posição geográfica, sempre viveu do contrabando. Ali, mesmo na fronteira, o rio Trancoso que separa os dois países por um pequeno curso de água, era propício para “passar” a mercadoria. O contrabando era um importante meio de sustento e aqui “todos” participavam nesta actividade.
Apesar de ser um local pequeno e com pouca população, Cevide tinha bastante movimento. Assim que escurecia começavam a chegar pessoas vindas de todo o lado para irem a Espanha ou ao contrário, dependendo da altura. E nem o posto da guarda fiscal, ali bem perto, os fazia temer. É sabido que, às vezes, uns fechavam os olhos e outros abriam a carteira.
A Guerra Civil Espanhola e as ditaduras ibéricas (Salazar do lado Português e Franco do lado espanhol) causaram grandes carências a ambos os povos. As populações raianas encontraram no contrabando um forma de subsistência em tempos de sacrifícios e onde as oportunidades escasseavam. Pelas batelas do rio Minho e pelas caneijas passava de tudo um pouco: arroz, bacalhau, açúcar, bananas, café, tabaco, aço e até peças de automóveis e electrodomésticos.
O caminho caneija do contrabando, o caminho utilizado para o contrabando e travessia a salto
Mas o contrabando não era apenas de subsistência e de bens essenciais. Houve épocas em que se contrabandeava metais valiosos, como o ouro e o volfrâmio (por alturas da II Guerra Mundial) e havia também o contrabando de pessoas. As rotas do contrabando eram aproveitadas para a emigração clandestina, emigrantes que faziam a viagem ilegalmente, algumas vezes por motivos políticos, mas também à procura de uma vida melhor, passando a fronteira a “salto” devido à falta de documentos e à dificuldade e morosidade em os obter.
Durante a II Guerra Mundial, Cevide foi um importante ponto de passagem de judeus fugidos à perseguição nazi. Foram cerca de cinco centenas de judeus que atravessaram a fronteira pelo rio Trancoso, que eram enviados pelo cônsul Aristides Sousa Mendes. A aldeia terá servido de esconderijo para ajudar os judeus que fugiam de Hitler e que ficavam abrigados em Cevide, antes de seguirem viagem.
Com a entrada de Portugal na, então CEE, com a abertura das fronteiras e com a livre circulação de produtos, a prática do contrabando perdeu razão de ser. O fim do contrabando e da emigração ilegal originaram a que também a população de Cevide emigrasse, procurando por uma vida melhor. O fim do contrabando e a falta de oportunidades mataram a aldeia. Hoje, a pequena aldeia de Cevide é um local pacato, sem (muitos) habitantes, à espera de renascer.
O Mário de Cevide
Mário Monteiro é um apaixonado pela sua terra natal. É ele que nos recebe e que nos desvenda as belezas e as histórias da aldeia mais a norte de Portugal.
Ouvir o Mário falar da sua terra é como escutar uma bela melodia onde todos os sons se encaixam na perfeição. O Mário fala de Cevide com uma intensidade e uma paixão como poucos falam da terra que os viu nascer. Os olhos do Mário brilham quando fala sobre a sua pequena aldeia. Se todas as terras tivessem “um Mário”, certamente não haveria tantas aldeias esquecidas e praticamente sem habitantes espalhadas pelo interior do país.
Mário Monteiro tem as suas raízes na pequena aldeia minhota. Nasceu e foi criado na aldeia de Cevide, brincou à beira rio, ajudou na agricultura e participou no contrabando. Mário lembra algumas histórias de quando jovem e adolescente, altura em que a aldeia não teria mais do que dezena e meia de habitantes, mas que à noite ganhava outra vida com pessoas que vinham de fora para passar mercadoria de Espanha para Portugal – actividade que sempre fez parte dos povos raianos. Histórias ligadas ao contrabando, já que os seus pais também o faziam porque, naquela altura, a vida era muito difícil e, assim, ganhava-se mais algum. Mário, em adolescente, também passou pessoas que queriam ir para Espanha e não tinham papéis, chegavam de táxi e depois eram guiados até ao país vizinho à socapa da noite e dos guardas fiscais.
Aos 5 anos, Mário foi viver para uma freguesia vizinha, pois na aldeia não havia escola e aos 17 foi para Braga, para a cidade, à procura de uma vida melhor. Voltou a Cevide anos mais tarde, já formado, e encontrou a aldeia praticamente deserta e votada ao abandono. Foi então que decidiu “levantar a terra” do marasmo e do esquecimento em que se encontrava. Mário queria voltar a por Cevide no mapa.
O Mário vive em Ponte de Lima onde é enfermeiro, só indo à sua aldeia aos fins de semana quando a sua actividade profissional o permite, mas nos últimos anos tem sido incansável na divulgação de Cevide. Há cerca de 13 anos começou uma campanha de divulgação nas redes sociais do ponto mais a norte de Portugal. Mas era pouco para atrair pessoas à sua terra. Cevide precisava de mais. Foi então que se lembrou de histórias antigas em que os guardas fiscais diziam que Cevide era muito importante, porque era ali que estava o marco de fronteira número 1. Mário que conhecia bem a terra, nunca tinha visto marco nenhum e tinha algumas dúvidas que, efectivamente, tal marco existisse, mas decidiu procurar o junto ao rio. Um dia, em cima de um grande penedo, encontrou um pedra coberta de musgo e ervas. Era uma pedra trabalhada que tinha o algarismo 1 e a letra P gravados. O marco número 1 existia, estava em Cevide e era ali que começava Portugal.
O Mário não tem parado e muito tem feito para a divulgação da sua terra, promovendo-a das mais diversas formas: criou um grupo no facebook, Amigos de Cevide (aldeia onde começa Portugal), que já conta com mais de 24 mil membros; tem passado pelas televisões portuguesas na divulgação da sua terra; registou a marca “Cevide, aqui começa Portugal” e o ponto mais a norte; lançou o vinho verde Alvarinho “Aqui Começa Portugal”, em parceria com as Caves Soalheiro, que comercializa na Casa de Cevide, a antiga mercearia do seu avô.
Hoje, apesar de ainda contar com poucos habitantes, a pequena aldeia de Cevide está a renascer, está a ganhar vida. Mário Monteiro conseguiu voltar a colocar Cevide no mapa e atrair atenções e pessoas para a sua terra. No entanto, com a projecção e divulgação de Cevide pode surgir um novo desafio, Mário não que ver a sua aldeia transformada num lugar de turismo de massas, pretende manter a originalidade, a ruralidade, a pacatez e o encanto que a sua aldeia sempre teve.
O Mário conseguiu levantar e voltar a dar vida à sua aldeia que estava a morrer, uma terra de que gosta de alma e coração. O Mário de Cevide é um homem que corre por amor à sua terra, e quem corre por gosto…
Cevide ainda é uma aldeia pacata, sem muito movimento. Por isso, é agora o momento ideal para conhecer Cevide. Local propício ao relaxamento e ao descanso, este é um local para os amantes da Natureza com uma envolvente que não deixa ninguém indiferente. Cevide ainda é um local original, único, inalterado pelo tempo, cheio de história e de grande simbolismo que merece ser conhecido e devidamente referenciado. Cevide, o ponto mais a norte do território nacional. Aqui começa Portugal.
Ali perto…
Ecovia do rio Trancoso
Mesmo do outro lado da fronteira, na margem do rio Trancoso existe um belo passadiço com cerca de 12 quilómetros ao longo do rio. Ao que parece, existe um plano hidrológico conjunto entre Portugal e Espanha para classificar a zona como Reserva Natural Fluvial Internacional. O município espanhol já se adiantou e reconheceu o potencial paisagístico do rio Trancoso criando uma ecovia que vale a pena desfrutar.
Espaço Memória e Fronteira
Depois de ouvir o Mário a falar da sua aldeia e de contar histórias de contrabando, recomendo um saltinho até ao centro de Melgaço (11 quilómetros) para visitar este excelente espaço museológico dedicado à preservação da história recente do concelho, relacionada com o contrabando e a emigração. Fica atrás do edifício da Câmara Municipal e dos bombeiros.
Mosteiro de Fiães
A origem da igreja românica do desaparecido Mosteiro de Fiães, também conhecido como Convento de Santa Maria de Fiães, tem gerado algumas dúvidas. Ao que parece o templo terá sido construído no século XII, época em que a Ordem Beneditina aqui vivia, passando, no final do século XII, para a Ordem de Cister. No entanto, parecem existir referências, no século IX à existência do Mosteiro. De qualquer forma, é um belo monumento para visitar com elementos beneditinos e outros cistrenses.
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