De passeio por terras do Fundão, resolvi explorar alguns locais menos óbvios como faço sempre que tenho tempo para tal. Passei uns dias na região e, ainda em casa, tinha visto umas fotos na internet que me chamaram atenção para esta aldeia bem perto da cidade do Fundão, onde fiquei alojado.
No meu mapa personalizado que normalmente desenho antes de qualquer deslocação, tinha anotado num canto “procurar Alcaide”. Anotações de beira de página que normalmente faço para explorar se houver tempo depois dos “locais obrigatórios”. Portanto, meti no GPS e fui à procura de Alcaide, quase sem saber muito bem ao que ia. Eu gosto destes “tiros no escuro” e partir à descoberta. É verdade que nem sempre se acerta, mas posso garantir que descobrir Alcaide foi uma agradável (e muito molhada) experiência. Para mim, Alcaide passou a ser local de passagem obrigatória e a recomendar no concelho do Fundão. Outro destaque da região, é a beleza paisagística da estrada nacional 18 (N18), pelo menos no troço que eu percorri, entre Castelo Novo e Belmonte (cerca de 60 quilómetros).
A pequena aldeia de Alcaide está localizada apenas a sete ou oito quilómetros da sede de concelho, a cidade do Fundão, no sopé da encosta norte da serra da Gardunha, em plena Cova da Beira. Envolvida por uma luxuriante paisagem de bosques de espécies autóctones e campos de cultivo, a aldeia surpreende o visitante menos prevenido. O centro da aldeia com as suas casas de pedra prendem a atenção de quem por aqui passa e convida para que se percorra as suas ruas e vielas com calma e que se conheçam os principais pontos de interesse. Foi o que eu fiz, apesar da forte ameaça de chuva que, pouco depois, me encharcou da cabeça aos pés…
Alcaide é uma das povoações mais antigas da serra da Gardunha, com mais de 800 anos de história onde, através das suas construções, ainda são bem visíveis os vestígios de outros tempos. Aldeia tipicamente beirã, de casario muito simples e tradicional, apesar de algumas construções mais recentes, ainda conserva muitas das suas casas de pedra, algumas de traça Quinhentista, com um ou dois pisos, onde ainda podemos observar os tradicionais balcões e varandas.
Do seu casario há a destacar alguns palacetes que ficaram até aos nossos dias, testemunhos de um passado bastante rico, como é o caso da casa que pertenceu ao estadista João Franco (1855-1929), natural de Alcaide – João Franco foi ministro de D. Carlos I e um dos mais influentes estadistas portugueses da viragem para o século XX.
A aldeia é atravessada pela estrada nacional 345-4 (N345-4), onde se encontram algumas das construções mais recentes, mas ao percorrer as suas ruas vamos encontrar muitas casas de arquitectura tradicional, ainda em pedra, que tornam esta pequena aldeia muito atractiva para uma visita e com um charme especial.
Ao percorrer as ruas de Alcaide vamos encontrar alguns edifícios religiosos (datados desde o século XVI) e bastantes fontes (do século XIX), outrora essenciais para abastecer a aldeia.
A aldeia faz parte do programa de arte pública do município do Fundão (programa que engloba 19 locais com arte pública espalhados pelo concelho, transformando-o numa galeria de arte a céu aberto). Em Alcaide, mesmo ao lado do Centro de Saúde, num pequeno largo, podemos encontrar a obra “O Guardião”, do artista de Vila Nova de Gaia, Third (Nuno Palhas), que foi realizada no âmbito do festival Míscaros, em 2018.
Alcaide pertence à rede de Aldeias de Montanha, um projecto que visa promover o turismo sustentável e preservar o património cultural, histórico e natural das aldeias locais. A rede de Aldeias de Montanha reúne diversas povoações localizadas na Região de Turismo da Serra da Estrela, uma região de grande beleza natural, rica em gastronomia tradicional e repleta de património e de tradições. A rede integra 41 aldeias espalhadas por nove municípios da região.
O topónimo Alcaide
A origem do nome Alcaide remete-nos de imediato para uma origem Árabe. Durante a ocupação muçulmana o nome Alcaide, ou al-qaid, designava um governador ou um magistrado com papel militar. Posteriormente, durante a Idade Média, os administradores das províncias continuaram a ser conhecidos como alcaides.
O nome da aldeia remonta ao reinado de D. Sancho I, no século XII, quando o monarca concedeu estas terras a D. Estevão Anes, então alcaide da Covilhã. A primeira designação da povoação foi Aldeia do Alcaide.
História de Alcaide
Alcaide é uma terra com história e habitada desde tempos remotos, sendo mesmo umas das localidades mais antigas da região. Devido à sua localização, é muito provável que o local tenha sido habitado pelos povos que procederam à formação de Portugal. Acredita-se que a região tenha sido habitada pelos Celtas, ainda antes da chegada dos Romanos, depois por Visigodos e, mais tarde, pelos Árabes.
Após a Reconquista cristã, a povoação de Alcaide foi fundada entre 1198 e 1207, sob o reinado de D. Sancho I. A localidade foi crescendo e ganhando importância ao longo dos tempos. De pequeno lugar passou a aldeia e, posteriormente, a vila e sede de concelho durante os séculos XVI e XVII, muito provavelmente até à criação do concelho do Fundão, em 1747.
Desses tempos áureos ficou a Casa da Câmara, no largo da Praça, e algumas outras construções ainda visíveis e preservadas.
A partir do século XIX, Alcaide começou a perder população, devido à saída de pessoas para as cidades ou devido à emigração, deixando muitas propriedades abandonadas.
Alcaide e os cogumelos
Míscaros, boletos, cantarelos, frades e raivacas… Nem só de cerejas vive o concelho do Fundão. Se em Alcongosta a cereja impera, em Alcaide o cogumelo é rei. É quando as encostas da serra da Gardunha se pintam com as bonitas cores de Outono que os cogumelos abundam.
A região é muito rica em cogumelos porque aqui ainda se preserva a floresta mediterrânica original. Uma boa parte da vegetação ainda está preservada com uma grande variedade de árvores. Aqui, na zona da Gardunha, existem mais de 300 espécies de cogumelos. Mas para apanhar cogumelos é essencial saber do assunto e ser conhecedor das diferentes espécies.
Alcaide realiza, desde 2009, o Míscaros - Festival do Cogumelo. Um evento muito procurado que decorre no terceiro fim de semana de Novembro, que leva à pequena vila dezenas de milhares de visitantes. O Festival, que se estende pelas ruas da vila, tem muito que ver, fazer, comprar e saborear… sempre à volta dos cogumelos. O Míscaros conta com passeios micológicos acompanhados por especialistas, mostras de cogumelos, live cookings, workshops, palestras, exposições, tasquinhas, artesanato e muita animação de rua.
Na aldeia existe a Casa do Cogumelo da Gardunha, que se dedica a apoiar actividades relacionadas com o cogumelo, como por exemplo fazer formações especializadas e a compra e venda de cogumelos frescos, congelados e desidratados. Convém lembrar que a colheita e o consumo de cogumelos silvestres pode ser perigoso, pois existem algumas espécies tóxicas e até mortíferas, por isso procure sempre pessoas com conhecimentos sobre a identificação das espécies.
O que visitar em Alcaide
A aldeia não é muito grande, mas é bastante rica em motivos de interesse para uma visita e tem um charme especial. Envolta por uma magnífica paisagem de bosques, Alcaide presenteia-nos com a sua arquitectura tradicional com inúmeras casas em pedra de granito.
A começar pelo agradável largo central, o largo da Praça, por entre ruas estreitas e vielas partimos à descoberta das suas gentes simpáticas e dos seus principais pontos de interesse.
Casa da Câmara
Localizado na praça central de Alcaide, este edifício é de provável construção do século XVI, data da criação do concelho de Alcaide, por D. Manuel. É um edifício de granito, bastante simples, que quase passa despercebido, dada a sua semelhança como uma típica casa beirã. O edifício apresenta, por cima da porta, um escudo real com coroa, ladeado por duas esferas armilares. O piso inferior possui duas dependências, onde talvez funcionasse a antiga cadeia.
A partir do século XIX funcionou como escola primária até ter sido abandonado com a construção da nova escola na década de 1960. A partir do final do século XX foi adaptado para museu e galeria de exposições.
Igreja Matriz de Alcaide, Igreja de São Pedro
A igreja de Alcaide, igreja de São Pedro, é um edifício em cantaria de granito. Terá sido reedificada durante o século XVI sobre uma antiga igreja do século XIII. No seu interior, possui retábulos em talha dourada, do século XVII, e silhar de azulejos que retratam cenas bíblicas.
Torre Sineira de Alcaide
A Torre Sineira de Alcaide é uma marca importante na paisagem e parte fundamental da vida da aldeia.
A Torre Sineira de Alcaide apesar de estar muito próxima da igreja matriz, é um volume independente, encontrando-se ligeiramente afastada do templo.
Esta torre foi edificada em finais do século XVII, em 1694, e é uma estrutura de granito com cerca de 20 metros de altura apresentando planta quadrada e cobertura em cúpula. No topo da torre encontra-se um sino de bronze, datado de 1795, que assinala as horas e os eventos religiosos da aldeia.
A torre encontra-se envolta por um pequeno espaço ajardinado à face da rua que nos conduz até junto da matriz de Alcaide.
Capela de Nossa Senhora da Oliveira
A capela de Nossa Senhora da Oliveira é um templo simples, de construção em cantaria de granito e apresenta um pequeno jardim com oliveiras e um cruzeiro do lado esquerdo. De provável construção no século XVI, a pequena capela encontra-se num dos extremos da localidade voltada sobre o vale onde corre a ribeira de Alcaide e de frente para a capela de São Macário. O seu interior apresenta uma cobertura em madeira com caixotões pintados na capela-mor. Retábulo-mor em talha dourada do século XVII.
Capela de Santo António
Este pequeno templo seiscentista (1668), encontra-se isolado, fora do centro da vila, à face da N345-4. A capela é bastante simples em cantaria de granito. No seu interior apresenta o retábulo-mor de talha dourada e policromada.
Capela de São Francisco
A capela de São Francisco é um templo de provável construção durante o século XVI, com esmolas angariadas junto da população. A capela encontra-se no centro da vila, num pequeno largo (largo de São Francisco) e apesar de rebocada e pintada, mantém a sua fachada principal em cantaria de granito. Apresenta um nicho de azulejos representando a Via Sacra. Ao lado tem um pequeno cemitério. No seu interior apresenta o retábulo-mor em talha dourada e coro-alto assente em colunas com pias de água benta.
Capela do Espírito Santo
Muito próximo da capela de São Francisco, situa-se a capela do Espírito Santo, na minha opinião a mais interessante. O templo do século XVI apresenta a inscrição de 1508 na sua fachada principal, o que deverá corresponder à data da sua construção.
Construído em granito, o templo apresenta no seu exterior um púlpito e uma sineira do lado esquerdo. Ao lado da capela encontramos um pequeno calvário com um cruzeiro. O seu interior temos uma cobertura em madeira e o retábulo-mor, do final do século XVIII, em talha dourada e policromada.
Capela do Mártir São Sebastião
Localizada no centro da vila, próximo da praça principal, na rua que dá acesso à igreja paroquial e próximo à casa de João Franco, está a discreta capela do Mártir São Sebastião.
Em cantaria de granito, o templo é de provável construção do século XVI, apresentado a data de 1598 esculpida sobre a porta. No seu interior temos coberturas de madeira, em masseira na nave, e em falsa abóbada na capela-mor e retábulo de talha pintada do barroco joanino (século XVIII).
Capela de São Macário
A capela de São Macário encontra-se fora da aldeia de Alcaide, num outeiro rodeada por árvores, a 590 metros de altitude. Um miradouro com vista para as belas paisagens das redondezas e para as serras da Gardunha e Estrela. Ao lado da capela existe um recinto para festas com coreto. A capela foi reedificada em 1901, sendo a construção da primitiva capela do século XIII. A capela de São Macário tem um alpendre assente em oito colunas. O seu interior apresenta silhar de azulejos e retábulo-mor em talha dourada do século XVIII.
Casa do Conselheiro João Franco
Não muito longe do centro da aldeia e logo a seguir à capela do Mártir São Sebastião, encontra-se este palacete do século XIX (1858). Edifício de dois pisos, com estrutura em granito e rebocado a branco, foi a casa onde residiu João Franco – importante estadista e ministro de D. Carlos I.
Alcaide é uma das povoações mais antigas da serra da Gardunha, é um lugar cheio de história, tranquilo e pitoresco. Uma aldeia surpreendente, ideal para quem procura um pouco de paz e sossego no interior do país. Um lugar para aproveitar a boa gastronomia e as tradições da Cova da Beira.
Apesar da forte chuvada que apanhei e de ter que regressar “a correr” ao carro - na verdade não fui “a correr” porque a chuva era tanta que tive que me abrigar por bons bocados, aqui e acolá, em alpendres, vãos de portas e por baixo de varandas -, Alcaide surpreendeu-me com a sua arquitectura tradicional e com o seu rico património.
Alcaide é (mais) um local obrigatório para quem visita a região do Fundão. Diria mesmo que Alcaide é o lugar ideal para se partir à descoberta da região da Gardunha e das suas aldeias históricas.
Ali perto…
Alcongosta fica a cerca de sete quilómetros de Alcaide e é conhecida por ser terra de cerejas – a famosa Cereja do Fundão. 60% da produção nacional de cereja está aqui, por isso recomendo um passeio pela aldeia e arredores se for tempo de cereja. Um espectáculo imperdível de oito mil hectares de cultivo de cereja que que se cobrem de flores brancas na primavera, e que se pintam de vermelho vivo, no verão.
A cerca de 15 quilómetros de Alcaide fica a pitoresca Aldeia Histórica de Castelo Novo, uma das mais bonitas de Portugal. Castelo Novo está situado num anfiteatro natural de grande beleza enquadrado pela serra da Gardunha, onde os diferentes tons de verde contrastam com oescuro do granito.
Castelo Novo é uma localidade com mais de 800 anos de história, com a sua origem ligada aos Templários. Ao longo do tempo a vila conseguiu preservar o seu legado com uma arquitectura marcadamente medieval com alguns edifícios manuelinos e barrocos.
A serra da Gardunha é um maciço imponente onde dominam o granito e o xisto. A Gardunha pertence ao conjunto montanhoso denominado por Cordilheira Central, estendendo-se por uma extensão de cerca de 20 quilómetros e com uma altitude máxima de 1227 metros, na Penha. A serra da Gardunha é um local popular para caminhadas e trilhos, com vistas e paisagens incríveis. O lugar ideal para um dia de aventuras ao ar livre.
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