A aldeia de Vilarinho de Negrões é uma pequena pérola preciosa na grande diversidade de maravilhosas aldeias transmontanas. Atrevo-me mesmo a dizer, que esta é uma das mais belas aldeias de Portugal.
A beleza desta pequena aldeia está na sua ruralidade, na simplicidade e simpatia dos seus habitantes e na sua localização. Vilarinho de Negrões está implantada num outeiro que foi transformado numa pequena península aquando da construção da barragem de Pisões e com a consequente subida das águas da albufeira do Alto Rabagão, criando aqui um local de grande beleza. Efectivamente, quem avista a aldeia, vindo pela estrada que contorna a margem sul da albufeira, fica com a sensação de que a aldeia parece flutuar sobre as águas.
Esta não foi a minha primeira visita a Vilarinho de Negrões. Já lá tinha estado há uns bons anos, mas a seca daquele ano fizera com que o nível da água na albufeira estivesse muito baixo, havendo uma larga auréola de areia a toda a volta da aldeia. Como diz o povo, não há fome (neste caso sede) que não dê em fatura e, agora, que tinha ouvido dizer que a albufeira estava bem cheia e que a barragem de Pisões estaria praticamente na sua quota máxima, era a altura ideal para lá voltar.
Abraçada pelas águas da albufeira do Alto Rabagão, Vilarinho de Negrões encontra-se na base da encosta norte da serra do Barroso (1279 metros). A pequena povoação localiza-se numa pequena península formada pela subida das águas da albufeira do Alto Rabagão – a segunda maior do país, a seguir ao Alqueva – e dista, aproximadamente, vinte quilómetros da vila de Montalegre, bem a norte de Portugal.
O enquadramento natural, de rara beleza, faz com que a aldeia de Vilarinho de Negrões pareça flutuar sobre a água da albufeira formada pela barragem de Pisões. Quem avista a pequena povoação fica com a ilusão de que a aldeia de granito “pousa” calmamente em cima deste magnífico espelho de água.
A aldeia é pequena e não tem “grandes” construções para admirar e visitar. Por isso, aproveite para conversar com os seus habitantes e saber um pouco da sua história. Se não entrar em grandes pormenores – há que preservar a segurança e a tranquilidade do local –, os transmontanos (e os habitantes das nossas aldeias em geral) são bons conversadores e estão sempre disponíveis para ajudar e dar dois dedos de conversa.
Para além de desfrutar da magnífica paisagem (por mim, ficava sentado na berma da estrada todo o dia a contemplar tamanha beleza e a saborear a calmaria daqueles locais), passeie-se calmamente pelas (poucas) ruas da aldeia, admire as suas construções tradicionais em granito (material abundante na região), sinta a vivência do local, respire o ar puro e esteja atento aos pequenos pormenores.
A origem de Vilarinho de Negrões
Provavelmente, as origens da aldeia remontam à presença do povo Celta na Península Ibérica. Na serra do Barroso, mesmo ali ao lado, foram encontrados vestígios pré-históricos que atestam a presença humana na região há cinco mil anos.
Aquilo que se sabe, é que toda a região terá sido povoada durante a Idade do Bronze (entre finais do III e meados do I milénios antes de Cristo), por Lusitanos, Vetões e outras tribos Celtas. Depois, deu-se a romanização e, mais tarde, com as invasões germânicas vieram os Suevos e os Visigodos. Também os Muçulmanos por aqui andaram até à Reconquista Cristã.
O topónimo Vilarinho de Negões
O topónimo da aldeia, vem do diminutivo de vilar (do latim Villaris), que quer dizer pequena aldeia ou povoação ou, simplesmente, um grupo de casas, normalmente, cedidas para usos agrícolas. Ou seja, aqui existia um pequeno povoado agrícola pertencente a Negrões (sede de freguesia e aldeia vizinha), daí o nome de Vilarinho de Negrões.
À descoberta de Vilarinho de Negrões
Na curta viagem entre a monumental barragem de Pisões e aldeia de Vilarinho de Negrões (cerca de oito quilómetros) parei inúmeras vezes, mesmo ainda antes de avistar a aldeia, para admirar e contemplar esta magnífica paisagem pintada de azuis e verdes e pincelada com tons de vermelho, laranja, roxo e brancos. Um verdadeiro quadro “pintado” pela Mãe-Naureza.
A grandiosidade da albufeira e a serra do Barroso dominam a paisagem. Ao longo da estrada, mesmo junto à água, os recortes da albufeira obrigam-nos a parar para admirarmos a rara beleza desta paisagem. Mais à frente, com o avistamento da aldeia de Vilarinho de Negrões, dá-se o êxtase; uma estreita península de terra entra pela albufeira dentro, fazendo com que aldeia esteja praticamente rodeada por água e o casario de granito, na extremidade da pequena península, dê a ilusão de flutuar sobre as calmas águas da albufeira do Alto Rabagão. É uma paisagem mágica. Lembrando Saramago, poderíamos chamar-lhe “jangada de pedra”.
Chegamos a Vilarinho de Negrões e facilmente nos vemos numa viagem ao passado. A aldeia parece ter parado no tempo, aqui (praticamente) tudo permanece igual desde a altura em que as águas da albufeira chegaram até à aldeia. Nota-se que a vida não foi fácil. Ainda não o é. Esta é uma terra de vida dura passada a trabalhar no campo. Por aqui sempre se viveu, e continua-se a viver, da agricultura e da pecuária.
Vilarinho de Negrões é uma aldeia pequena, rústica, pitoresca e genuína. A aldeia está rodeada por uma paisagem sem igual mas a sua maior riqueza são as suas gentes, humildes, resilientes e atenciosas, que se mantêm firmes na terra que as acolheu ou as viu nascer. Esta é mais uma aldeia adormecida no silencioso mundo rural do interior do país. Tal como a maioria das localidades do interior, também Vilarinho de Negrões padece do despovoamento e do envelhecimento da sua população – a aldeia não tem mais do que duas ou três dezenas de habitantes. E este despovoamento leva ao abandono do casario e sua consequente ruína. É todo um passado e uma história deixados para trás. Apesar da desertificação, a aldeia conserva o seu casario relativamente bem preservado.
Entramos em Vilarinho de Negrões pela sua rua principal entre muros de pedra. É uma rua empedrada, estreita e sinuosa que nos leva até à margem do grande lago.
É à entrada da aldeia que fica o café A Ilha que, ao que parece, é onde se come o melhor prego em pão do país. Confesso que não provei mas, segundo dizem, tal epíteto deve-se à carne barrosã e ao pão caseiro estaladiço.
A aldeia percorre-se rapidamente, mas se quiser ter um olhar mais atento, deve demorar-se por lá. A sua rua principal estende-se casario fora, até à beira da água da albufeira que, por estes dias, em alguns locais, já beijou as rústicas paredes das construções mais ribeirinhas e invadiu terrenos e campos de cultivo.
Vilarinho de Negrões foi finalista no concurso “7 Maravilhas de Portugal” na categoria de “Aldeias Ribeirinhas”. Para além das águas da albufeira, “à volta” da aldeia existem bosques de carvalhos e soutos de castanheiros, onde se ouve o alegre cantar dos pássaros e onde coelhos cruzam a estrada por entre as moitas. Neste pequeno paraíso é fácil ficarmos encantados com tanta beleza.
O QUE VISITAR EM VILARINHO DE NEGRÕES
Arquitectura tradicional
O casario da aldeia, em pedra granito, mantém o seu traço tradicional e poucas são as casas que estão rebocadas e pintadas. Aqui o típico e o tradicional ainda imperam. Numa ou noutra casa ainda podemos observar os beirais que antigamente serviam para suportar e proteger as coberturas de colmo. É pena que nestas aldeias do Barroso não se tenham preservado algumas construções cobertas com colmo. Seriam um importante elemento histórico e arquitectural. Numa volta pelas poucas ruas da aldeia podemos ainda encontrar duas casas mais nobres, as Alminhas e o Cruzeiro.
Capela de São Bartolomeu
Localizada no meio da aldeia, a pequena Capela de Vilarinho de Negrões é dedicada a São Bartolomeu. A Capela é um templo bastante simples, também ele construído em cantaria de granito. O adro da Capela é um excelente miradouro para a albufeira do Alto Rabagão.
Relógio de Sol
Como já disse, em Vilarinho de Negrões é importante estar atento aos pequenos pormenores que nos podem surpreender em qualquer lugar. Ao percorrer as ruas da aldeia, para além do preservado casario tradicional da região, vai encontrar o antigo Relógio de Sol.
A encimar um pequeno nicho com uma imagem de Santo António, o Relógio, também ele em granito, já teve melhores dias, mas ainda está lá, pedra sobre pedra, e ainda serve para ver as horas.
Em tempos, para além de indicar as horas, este Relógio de Sol servia também para controlar a torna da água – a mudança das águas para a rega dos terrenos. Era por ali que, antigamente, os agricultores se orientavam para mudar o correr da água por entre os terrenos de cultivo.
Este Relógio de Sol é uma peça bastante interessante de meados do século XIX.
Espigueiros
Em Vilarinho de Negrões vai encontrar diversos Espigueiros – que por aqui se chamam Canastros. Os Canastros são estruturas seculares, características do noroeste da Península Ibérica, por aqui são construídas em granito e madeira, e destinadas a armazenar espigas, preservá-las contra a humidade do ar e do solo e resguardando-as dos animais (principalmente pássaros e roedores).
Fontanários
Vai encontrar alguns fontanários e tanques espalhados pela aldeia. Para além trazerem água potável à sua população, estas estruturas também são utilizadas para lavar roupa e dar de beber ao gado.
Vilarinho de Negrões e a sua envolvente é um local mágico, de uma beleza divinamente simples e perfeita que nos envolve, nos enche a alma e os sentidos. Aqui, longe da correria das cidades, tudo nos transmite calma e leveza. Procure um local à beira da água da albufeira ou no alto de uma elevação, e permita-se abraçar a Natureza. Encha os pulmões de ar puro, contemple a beleza da paisagem e liberte a alma e a mente. É nos lugares mais remotos que encontramos os verdadeiros tesouros.
Vilarinho de Negrões é um bom destino, um pequeno paraíso do “Reino Maravilhoso” de Torga, para quem gosta do contacto com a Natureza, do tradicional e do sossego, rodeado de belas paisagens. Vai ver que no final da visita a Vilarinho de Negrões vai estar mais leve para a viagem de regresso que, no meu caso, foram cerca de 150 quilómetros.
Em 2018, região do Barroso foi declarada património agrícola mundial pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura.
Ali perto…
Albufeira do Alto Rabagão
Sugiro que se faça à estrada e contorne toda a albufeira do Alto Rabagão, uma das mais bonitas do nosso país. São cerca de 40 quilómetros de paisagens fantásticas e irá passar por aldeias maravilhosas da região do Barroso, declarada Património Agrícola Mundial pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, desde 2018. Na margem sul da albufeira o itinerário será por estradas secundárias, mas de grande beleza e, na margem norte da albufeira, pela N103.
Para além da barragem de Pisões e Vilarinho de Negrões, passará pela vizinha, e sede de freguesia, Negrões (em tudo semelhante a Vilarinho quer nas suas casas quer na sua forma de península), Morgade (com a sua igreja de provável construção no século XVII ou XVIII), Criande e Aldeia Nova (duas aldeias coloniais do Estado Novo), São Vicente de Chã (com o seu templo românico, de provável construção no século X ou XI), Travassos da Chã (que também forma uma península), Penedones (onde um enorme penedo se ergue ao alto, praticamente no maio da povoação), Parafita (com o seu forno comunitário), Antigo de Viade (onde também aqui o granito impera), Viade de Baixo (com o seu marco miliário, o Solar dos Queridos e a sua igreja de provável construção no século XIV) e Pisões. Na margem sul da albufeira pode ainda procurar por Alturas do Barroso, por horizontes a perder de vista no miradouro dos Cornos das Alturas (caminhada de 600 metros) ou, se for apreciador de grandes aventuras, pela via ferrata do Tecto do Mundo. Para os amantes dos baloiços, junto a Morgade, há o Baloiço de São Domingos de onde se tem uma maravilhosa panorâmica para a albufeira (caminho de terra batida com cerca de 2.200 metros).
A Barragem de Pisões e a Albufeira do Alto Rabagão
A Barragem de Pisões é um colosso da engenharia nacional do Estado Novo. A barragem foi projectada em 1958 e construída entre 1960 e 1964. Segundo rezam os registos, aqui trabalharam 15 mil homens, tendo sido construída uma autêntica cidade para albergar tanta gente.
Localizada na bacia hidrográfica do rio Cávado, a Barragem de Pisões é uma das oito barragens que constituem o sistema hidroelétrico Cávado-Rabagão-Homem. A Barragem é um imponente muro de betão com 94 metros de altura e quase dois quilómetros de coroamento que represa as águas do rio Rabagão, afluente do Cávado, que nasce entre as serras do Barroso e do Larouco e tem um comprimento de 37 quilómetros.
A Barragem tem uma central subterrânea (à cota dos 699 metros), conhecida como a “caverna”, comunicando com o edifício de comando através de um poço com uma profundidade de 130 metros e 7,5 metros de diâmetro.
Esta barragem foi a primeira do país a ser dotada com equipamento de bombagem, destinado a elevar, para a sua albufeira, a água da albufeira de Venda Nova, localizada a jusante e em funcionamento desde 1951.
A construção da Barragem de Pisões provocou a inundação de terrenos agrícolas, os baldios do Barroso, que tinham sido colonizados, dez anos antes, pela Junta de Colonização Interna (Colónia Agrícola do Barroso).
A albufeira da Barragem de Pisões, a Albufeira do Alto Rabagão como é denominada, é o segundo maior lago artificial do país, a seguir ao Alqueva. A Albufeira tem uma orla de mais de 30 quilómetros e quase dez de comprimento com paisagens de grande beleza, sendo uma das mais bonitas do nosso país.
Desde 2017 que a Albufeira do Alto Rabagão tem instalada a primeira Central Solar Fotovoltaica Flutuante da Europa, com 840 painéis flutuantes, que dão para o consumo de cerca de 100 famílias.
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