Hoje trago um lugar “místico”. Um lugar único e de grande beleza. Um lugar dividido entre Montalegre e Vieira do Minho: a Ponte da Misarela que, segundo os populares e crenças antigas, foi construída pelo diabo.
Imponente e construída num cenário maravilhoso, a Ponte da Misarela é uma das pontes medievais mais bonitas que já visitei.
A Ponte da Misarela é um local de fronteiras; fronteira geográfica, pois aqui confrontam os concelhos de Montalegre e Vieira do Minho e, no imaginário popular devido às lendas associadas a esta Ponte, este é um local místico onde se confrontam o bem e o mal.
A bonita Ponte da Misarela, também conhecida como Ponte dos Frades ou ainda por Ponte do Diabo devido às lendas que por aqui se contam, está construída no fundo de um desfiladeiro por onde corre o rio Rabagão. Um vale que separa os distritos de Braga e de Vila Real. A ponte une as freguesias de Ruivães (Vieira do Minho) e Ferral (Montalegre).
A data da sua construção permanece desconhecida, mas estima-se que a Ponte da Misarela tenha sido construída durante a Época Medieval e reconstruída, mais tarde, no início do século XIX. A sua construção, em pedra de granito, é um magnífico exemplo da qualidade construtiva daquela época, tendo resistido firmemente ao passar dos séculos e aos elementos da natureza. A Ponte é uma obra arquitectónica arrojada que assenta sobre dois maciços penedos, apresentando um vão de 13 metros e uma altura bastante considerável em relação ao leito do rio. A Ponte da Misarela é testemunho da engenharia da época, uma obra de arte que se funde perfeitamente na paisagem que a envolve, num enquadramento cénico de grande beleza, digno de um filme medieval ou de seres mágicos.
Na envolvente à Ponte, encaixada entre os muitos rochedos, há uma queda de água impressionante. Numa das margens do Rabagão ergue-se um enorme rochedo que os locais denominaram como “púlpito do diabo” e onde dizem que o demo, à meia noite, vem pregar para as bruxas das redondezas…
Da parte de baixo da Ponte, no leito do Rabagão, existem algumas lagoas onde é possível tomar banho quando a força das águas não for muito grande (principalmente nos dias quentes de Verão).
O acesso à Ponte da Misarela pode fazer-se tanto pelo lado de Ferral (Montalegre), como pelo lado de Ruivães (Vieira do Minho). Pelo lado de Montalegre, é preciso dirigir-se até à localidade de Sidrós (Ferral) e seguir até à pequena capela da Misarela, onde terá que deixar o carro, não havendo aqui muito espaço para estacionar. Depois terá que seguir a pé por uma estrada de acesso a alguns terrenos e depois pela Calçada Medival. Até à ponte são cerca de 900 metros. Ao longo do caminho vai passar por alguns miradouros com vista para a Ponte. A outra alternativa para chegar até este magnífico local, é descer a estrada CM1397 a partir do quartel dos Bombeiros Voluntários de Vieira do Minho (Secção de Ruivães), junto à N103. Um pouco depois de passar a Central Hidroelétrica de Frades vai encontrar uns lugares de estacionamento à direita, onde começa um pequeno caminho (está devidamente assinalado) que nos vai levar até à Ponte da Misarela. É uma agradável caminhada, de cerca de 800 metros, com vista para o rio Rabagão.
O rio Rabagão nasce entre as serras do Barroso e do Larouco a mais de 1100 metros de altitude. Tem um comprimento de 37 quilómetros e desagua no rio Cávado cerca de 700 metros depois da Ponte da Misarela. No seu percurso atravessa o concelho de Montalegre e abastece as barragens da Venda Nova e de Pissões (Alto Rabagão).
Se estiver interessado em fazer uma caminhada (maior) que o traga a conhecer a Ponte da Misarela, existem dois trilhos que o trazem até este magnífico local: o PR8 de Vieira do Minho, um trilho linear com 11 quilómetros, com início na Junta de Freguesia de Ruivães; e o PR5 de Montalegre, um trilho circular com 12 quilómetros e com início e final no lugar de Vila Nova, em Ferral.
A lenda e o ritual
A rica tradição oral desta região teceu diversas lendas em torno da Ponte da Misarela. Assim, a Ponte está envolta em inúmeras lendas e mitos que lhe conferem uma aura mística e que a tornam ainda mais fascinante.
Uma das lendas, conta que a Ponte era utilizada por frades para atravessar o rio e que este era um local de peregrinação. Mas a lenda mais conhecida, e uma das mais inusitadas, atribui a construção da Ponte ao próprio Diabo. Reza a história que um homem perseguido pela justiça, terá aqui chegado e, na impossibilidade de atravessar o rio e perante a eminente captura, terá invocado a intervenção divina. Como não obteve qualquer resposta, terá então invocado o poder do Diabo, prometendo-lhe a sua alma caso este permitisse a sua fuga. O Diabo aparece-lhe e faz surgir uma ponte para o homem atravessar o rio e assim permitir a sua fuga.
Depois existem diversas variações desta mesma lenda envolvendo um padre que na hora da morte do homem fugitivo, recita um exorcismo e abençoa a ponte, quebrando o pacto com o Diabo.
Mas a Ponte da Misarela também está associada a um ritual ancestral, que hoje terá caído em desuso. Este ritual destina(va)-se a mulheres grávidas com receio de abortar. As mulheres, acompanhadas pelo marido, pernoitam na Ponte e, depois do por do sol, esperar que nenhum animal passe por ali. Os casais devem aguardar pela primeira pessoa que ali passar que, será convidada a apadrinhar a futura criança. Consta que ninguém terá recusado tal pedido. O baptismo é realizado logo ali e na hora. Com recurso a uma corda e a um púcaro de barro, recolhe-se água do rio que será derramada no ventre da futura mãe, devendo o padrinho recitar esta oração: “Eu te baptizo, criatura de Deus, pelo poder de Deus e da Virgem Maria, se fores rapaz serás Gervaz, se fores rapariga, serás Senhorinha”. Ao que parece, na região do Barroso ainda existem alguns Gervásios e algumas Senhorinhas.
A Ponte da Misarela e as Invasões Francesas
A Ponte da Misarela é também um local histórico e um marco importante na história de Portugal. Terá sido neste local, em 1809, que se deu um sangrento combate entre o exército de Napoleão e as tropas luso-britânicas aquando da segunda invasão francesa.
O exército de Soult, instalado no Porto e perante a ameaça de ataque por parte das tropas aliadas, lideradas pelo General Wellesley, decide abandonar a cidade e fugir com os seus homens em direção a Espanha. Com os principais itinerários cortados para barrar a marcha das tropas francesas, o general francês terá optado pelos caminhos sinuosos das montanhas e, quando aqui chega, as numerosas tropas napoleónicas foram derrotadas por 800 homens locais, numa batalha sangrenta onde muitos soldados franceses perderam a vida.
A Ponte da Misarela também ficou para a história por ter sido aqui o embate entre as tropas do general Silveira e as tropas do coronel Zagalo (1827) e pela sangrenta batalha em que os liberais, liderados pelo General Antas, derrotaram as tropas do marechal Saldanha, do duque da Terceira e do barão de Leiria (1838).
A Ponte da Misarela é um local de rara beleza, envolvida por uma paisagem natural de cortar a respiração, a fazer lembrar uma bela pintura. A Ponte da Misarela, o rio Rabagão, a queda de água e toda a envolvente levam-nos numa viagem mágica a terras de druidas, magos e seres mágicos. Este é um lugar que, sem dúvida, vale a pena conhecer. Vai ver que a magia (ou o místico) e a força do local o vai fazer ficar por aqui longos momentos em verdadeira interiorização, meditação e contemplação. Este é um lugar mágico.